Na Década de Vinte, na Itália, a atuação dos católicos na
política realizava-se através do Partito Popolare fundado por Dom Luigi Sturzo.
Para conseguir uma convivência com o regime fascista, o Papa Pio XI sacrifica o
Partito Popolare e os seus membros ingressam na Ação Católica, fazendo oposição
ao regime fascista de Benito Mussolini. Com o advento da Guerra, o secretário
geral do partido, Alcide De Gasperi, se refugia no Vaticano, recebendo o apoio
do próprio Papa Pio XII que lhe dá um cargo de bibliotecário. Monsenhor Montini
mantém estreitas ligações com os principais líderes do Partito Popolare, na
pessoa De Gasperi, e com a Federação dos Universitários Católicos, na pessoa de
Giulio Andreotti, aguardando apenas a ocasião propícia para lançá-los na vida
publica com o novo nome de Democracia Cristã, sob o escudo da Cruz e com o
emblema Libertas. O grande objetivo era congregar os católicos para combater o
comunismo e o fascismo. Na Itália o Comunismo tinha por líder Palmiro
Togliatti. Fora nomeado pelo próprio Stalin para dirigir a política comunista
na Revolução Espanhola. Estes dois líderes enfrentarão, logo após o término da
Segunda Guerra Mundial, uma luta estratégica de conquista de adesões do
eleitorado, de instituições e de organizações. De Gasperi tinha uma retaguarda
poderosa atrás de si: o clero, o episcopado e toda uma tradição
intervencionista da Igreja na Itália. Levou adiante a penetração da Democracia
Cristã nas Universidades, reativou a poderosa Federação de Universitários
Católicos, supervisionou a implantação da Ação Católica, convenceu o clero a
utilizar-se do púlpito para propaganda da Democracia Cristã, penetrou nas
cooperativas do meio rural e nas associações de pequenos proprietários,
combateu o livre sistema financeiro, apoiou o Banco católico e atraiu o apoio
dos grandes industriais. Já Togliatti afasta a ideia de uma revolução violenta
- do tipo Exército Vermelho - e adota a estratégia de Antonio Gramsci da
“guerra das posições”. A princípio discretamente, e depois dos anos Cinquenta
abertamente. Desde o início inclinou-se por um comunismo nacional e, neste
aspecto, mantinha certa autonomia em relação a Moscou.
Logo após a derrota do Fascismo tem início na Itália a
ação de reconstrução do Estado italiano. Já durante o conflito, e
pressentindo-se seu fim, nos bastidores do Vaticano organizava-se uma força
política, sob a liderança de Alcide de Gasperi, para substituir o regime
fascista. Se este regime totalitário estava em decadência, outro, também
totalitário estava em ascensão, o comunismo. A nova organização católica devia
ideologicamente ser capaz de apresentar-se como alternativa de ambos. O
Fascismo, derrotado militarmente,
politicamente apresentara-se como uma alternativa ao liberalismo,
propondo substituir a representação política pela representação
econômico-profissional. Não eram os cidadãos e seus interesses que se deviam
representar, de conformidade com a doutrina liberal, mas os diversos grupos
econômicos. O Fascismo na Itália ideologicamente apresentava-se como uma força
política capaz de pôr fim ao atraso econômico. Culpava o liberalismo pela
defasagem econômica em relação aos demais países da Europa, pois, no
liberalismo, tudo devia obedecer ao “laissez faire”. Em substituição ao “deixar
fazer” era preciso introduzir o “obrigar fazer” propunham os mentores do
Fascismo.
No
entanto, outro regime rondava a Itália no fim da II Guerra Mundial. Tratava-se
do comunismo. A Europa tinha alguma
experiência dele, e o que se sabia era o que acontecia no Leste Europeu e o que
chegava da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas- URSS. Este regime
também se apresentava como uma alternativa ao liberalismo. Em vez da
representação, o comunismo propunha a vanguarda operária, encarnada no partido.
O partido era a voz da maioria e ele gerenciaria o Estado. Economicamente
propunha a coletivização dos bens de produção a proibição da propriedade
privada e uma economia livre de lucros.
Também
neste caso, pelo o que acontecia no Leste Europeu e pelas notícias chegadas da
URSS, o preço do regime era alto demais. Milhões de pessoas sacrificadas,
outras tantas deportadas, bem como desaparecidas. Era o regime totalitário, da
desolação, no qual até mesmo a consciência era invadida.
O período “degasperiano”, desde a fundação da Democracia
Cristã até 1953, é um período particularmente desafiador para a Democracia
Cristã . Primeiramente é um partido novo, com alguns participantes com
experiência no extinto Partido Popular como Alcide De Gasperi e Luigi Sturzo.
Em segundo lugar, não foi um partido que emergiu da sociedade italiana, mas em
boa parte criado artificialmente em laboratório, mormente no Vaticano. Guindado
ao governo deveria dar conta de algumas tarefas nada fáceis para um pós-guerra,
no qual a Itália não somente foi perdedora, como ficou falida economicamente.
Mas, a maior de todas as missões era de conter fascismo de direita, e o
comunismo de esquerda, o segundo partido mais forte da Itália. Neste preciso
período, a Democracia Cristã será atacada pelos amigos e inimigos, pelos seus
apoiadores e opositores, precisamente quando estava se organizando.
Neste primeiro período predomina a figura carismática De
Gasperi. É considerado como uma autêntica liderança: forte, decidido, de
marcante influência pessoal. Faz-se sentir no enfrentamento dos problemas
cruciais e na organização do novo partido. Sob sua inspiração a Democracia Cristã
amadureceu, ou feita amadurecer, num ambiente eclesiástico e no laicato
católico. Foi criada com o objetivo de contrapor-se às forças laicizantes e
comunistas, para tutelar, defender e promover os interesses da Igreja e dos
católicos na fase de reconstrução, reduzindo ao mínimo os inconvenientes
decorrentes dos compromissos da Igreja com o Fascismo. Mas na prática
significou muito mais que isto, como por exemplo, a incorporação dos eleitores
católicos num regime democrático.
Nesta
fase tornava-se crucial conseguir os máximos de recursos organizativos com o
fito de conter a esquerda, máxime os comunistas. Passados os primeiros
momentos, o partido deu mostras de estar atingindo os objetivos. Para o momento subsequente,
era preciso continuar contar com o apoio da organização católica e por outro,
defender a democracia republicana. O primeiro era tanto mais importante, pois
em alguns setores da Igreja se pensava em criar outro partido. Isto tornava-se
crucial para o partido da Democracia Cristã. O apoio eleitoral da Democracia
Cristã, neste período estava dependente do empenho do catolicismo da Democracia
Cristã. Por isso, o partido não poderia perder nenhum apoio. O preço de optar
pelo “partido dos católicos”, neste momento, talvez tenha sido inevitável para
a Democracia Cristã radicar-se na sociedade italiana, e desempenhar o papel que
lhe foi cometido. Isto não significa que não tenham advindo consequências
negativas. Uma delas é o fato de que o partido conseguia mover-se com
dificuldade pois sentia o peso da mediação católica, mormente da alta
hierarquia, quando não do vértice do Vaticano. Mas há também as positivas,
sendo que se pode apontar como uma das mais importantes é que a Democracia
Cristã evitou que alguns setores eclesiásticos enveredassem para experiências
do tipo salazarista, mantendo o mundo católico dentro dos limites democráticos.
Nesse sentido, parece que a balança pende positivamente, pois, perante tantas
dúvidas, mesmo da parte da hierarquia eclesiástica, a liderança degasperiana
garantiu para a Itália a opção democrática.
Em
consequência disso, o partido da Democracia Cristã tem como primeiro desafio de
sua organização a assimilação dos dirigentes da ação católica nos seus quadros.
Nesse sentido inicia um intenso trabalho de recrutamento de filiados para poder
preencher os cargos em nível local e nacional. Nesse momento inicia o processo
de se desvencilhar da tutela eclesiástica, pois precisa expandir-se além do seu
raio de ação. É consenso se afirmar que o sucesso do primeiro período da Democracia
Cristã se deveu á organização da ação católica atraída para o partido. Mas a
Democracia Cristã não para aí, passando a partir de então a andar com
autonomia, aceitando criticamente o apoio dos meios católicos. Isto por que De
Gasperi, tinha consciência que um partido de uma religião, seria um contra
senso. Poderíamos nos perguntar: como foi possível que de uma doutrina
religiosa adviesse uma proposta política que conseguiu sublimar a opinião
pública e imantou os interesses nacionais? Ocorreu aquilo que John Rawls
denominou de “concepção política de bem”. Conforme o autor, uma concepção de
bem em política é diferente de uma concepção religiosa ou filosófica. Esta
última é abrangente, isto é, absoluta. A política é específica, isto é, é para
aquele objeto concreto, de modo que, ao aceitar uma determinada ideia de bem em
política não é necessário aceitar esta ou aquela religião. Com isso ela se
torna razoável e não matéria de fé ou sentimento. É isto precisamente o que
caracteriza um regime democrático. Caso fosse a concepção de bem absoluta,
certamente cairíamos no totalitarismo, fundamentalismo ou outro regime, mas
nunca o democrático. Uma proposta de bem político democrático pode ser aceito
por toda sociedade, composta de cidadãos livres e iguais, pois que não
pressupõe uma doutrina abrangente.
Com
efeito, foi o que ocorreu com a Democracia Cristã a partir da concepção da
lavra de De Gasperi. Ele, paulatinamente, passou a atuar politicamente de forma
autônoma em relação à hierarquia eclesiástica. Estabeleceram-se metas e
programas fora do manto da Igreja. Eram metas de uma sociedade civil, como a
inserção da Itália na comunidade europeia, ou a industrialização. De Gasperi
quando organizava a economia no sentido de o Estado fazer o papel de regulador
criando uma estrutura para o processo econômico capitalista, fazendo conviver
prosperidade e liberdade, não tinha em mente uma determinada religião, mas um
interesse que atingia a comunidade civil. Nisso, parece, que consistiu a
possibilidade de êxito da Democracia Cristã na Itália e nos demais países
europeus que a adotaram, como foi o caso da Alemanha.
A
organização da Democracia Cristã encaminha-se no sentido democrático, deixando
de lado algumas veleidades salazaristas baseadas no apelo de Leão XIII, que propunha
as Corporações de Ofício. A Democracia Cristã surge como uma proposta que se
propõe limitar o poder do Estado, ser um canal de participação política da
sociedade, aceitar um conjunto de ideologias, até visceralmente contrárias à sua proposta. Admite
um pluralismo ideológico, faz votos nas instituições democráticas, submete-se
às regras do jogo democrático, tais como partidos, eleições, coligações,
governo da maioria, estado de direito, sistema representativo e outros
componentes. Está será uma opção
essencialmente liberal-democrática que a acompanhará por toda sua existência.
Sua grande façanha será trazer o contingente católico para esta ideologia. O
catolicismo que tinha princípios religiosos e éticos claros, ainda não havia se
definido pelo regime político. A Democracia Cristã preencheu este vazio. Uniu
os valores cristãos, com os ideais democráticos. Por isso, ao lado da ênfase
dada ao papel desempenhado pela Democracia Cristã, de conter o Fascismo e
Comunismo, não menos importante é a incorporação das massas católicas à
democracia. O partido colocava-se como intermediário entre o sistema
representativo político e a hierarquia eclesiástica, que por sua vez influía as
associações católicas. Quando às associações católicas, elas inseriam-se no partido.
A unidade dos católicos estava a cargo da hierarquia eclesiástica, competindo
ao partido o compromisso com os grandes interesses da Igreja.
Este
intercâmbio entre Igreja e partido manteve-se até a década de Setenta. Ambos
lucravam. As organizações católicas garantiam à Democracia Cristã um folgado
apoio, em torno de 35%, e por sua vez, o partido mantinha dentro dos limites as
aspirações de laicidade da sociedade civil, como era o caso do divórcio.
[1]
PASQUIN PASQUINO, Gianfranco. Pluralità degli Apporti e
delle Componenti nel Modelo di Partito Degasperiano. Quaderni. Milano.
Numero 21, p. 12 a 15. 1982.
Uma grande aula, as vivências de lá, que sirvam para cá, estamos atentos.
ResponderExcluirAssim, e sempre a igreja católica determinando e decidindo a vida, nossa e dos políticos.
ResponderExcluirEm bom e proveitoso momento este belo e explicativo artigo.
ResponderExcluirParabéns, trazer este assunto.
A unidade dos católicos estava a cargo da hierarquia eclesiástica, competindo ao partido o compromisso com os grandes interesses da Igreja.
ResponderExcluir¨Que atraso, sempre o jogo de interesses¨.
Muito interessante conhecer os caminhos dá formação política/ cristã.
ResponderExcluirFoi determinante a religião ter caminhado com a formação política, mesmo que haja críticas, a ética se manteve.
ResponderExcluirTudo pela democracia, entre erros e acertos vamos aprendendo por aqui, eles também passaram por uma aprendizagem.
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