A proposta contida no projeto de lei
denominada escola sem partido, criticada como conservadora e fundamentalista,
não é exatamente isso. Se o fosse, mas estivesse bem embasada, seria uma
perspectiva de entendimento do mundo da qual se pode discordar, mas como tal
contribuiria para esclarecer a realidade das pessoas e o conflito de interesses
da sociedade. Porém expressa a superficialidade contemporânea, incapaz de identificar
e enfrentar os problemas corretamente. Seus proponentes não se dão conta dos
problemas por tras do que querem resolver.
O ensino, para ser bom, precisa ser crítico
no sentido de mostrar ao aluno que há diferentes formas de interpretar a
realidade e entender o mundo, especialmente quando tratamos dos interesses das
pessoas. A ciência moderna foi uma grande construção humana, ela ajuda no
conhecimento do mundo e precisa ser bem ensinada e aprendida. Porém, o conhecimento
científico é limitado pelos métodos e objetivos que asseguram sua validade. Por
isso, a ciência não chega a um tipo de verdade sobre a totalidade da realidade,
sobre os interesses humanos e sua liberdade. A verdade da ciência é a verdade
que se mostra pela submissão de hipóteses testáveis. No entanto, e pelo que
pretende a ciência, ela é incapaz de dizer algo sobre o que não se pode testar,
como por exemplo, o fim da história ou o sentido da vida de cada existente. Um
pouco de conhecimento filosófico é essencial para se tratar desses assuntos,
mas há limites para as verdades filosóficas e limites nas teorias que formula
de interpretação do mundo. Ainda assim ela é imprescindível.
A razão, enquanto esforço de interpretação
dessa totalidade vai além das verdades da ciência, mas também não consegue
descrever a totalidade do real chegando a uma verdade absoluta. Formulando
teorias de interpretação do mundo a Filosofia revela aspectos parciais da
verdade. E é bom que a força da razão atue nas ciências como impulso que aponta
seus limites e a incentive a seguir em frente no que ela pode fazer para
explicar o mundo. A razão, empregada com a consciência dos seus limites, forma
o pensamento crítico, distingue as verdades da ciência das formulações sobre o
mundo. O pensamento crítico revela também as disputas de interesses presentes
na sociedade que não podem ser escondidas nem encobertas. Além disso, a
vida renova os problemas de modo que o
homem precisa continuamente construir novas teorias científicas e filosóficas. A
razão, trabalhando corretamente, aponta para além dos limites históricos como
força que transcende o tempo em direção ao eterno. Ela revela as lutas e
conflitos desse processo e nunca para de pensar o mundo. Ela se mostra nas
construções dos filósofos, o que nos leva a entender as lições da Filosofia,
como o caminho da razão. Se essa escola ensina isso ela ensina a diferenciar
explicações filosóficas, teses de interesse de grupos e pessoas e o
conhecimento científico e objetivo sobre a natureza. Ela ensina que
interpretações parciais do mundo se tornam falsas quando são propostas como
absolutas.
Minha geração foi criada numa escola sem
filosofia, sem pensamento crítico, com uma visão romântica de sociedade da qual
o resumo era a Educação Moral e Cívica (E. M. C.). Longe de formar o pensamento
crítico disciplinas como aquela ofereciam uma visão superficial e falsa do
mundo e da sociedade. A vingança veio na mesma moeda. Quando houve a abertura
política, as disciplinas sociais, construídas sob inspiração marxista,
arvorando-se em teoria científica que elas não eram, antes restritas a espaços
clandestinos, foram apresentadas como verdades para os jovens. Note-se que isso
ocorreu num momento em que o marxismo, como esquema de interpretação do mundo,
com seus dominados e dominantes, era considerado ultrapassado como visão de
mundo. Ortega y Gasset, por exemplo, o identificava com a ideia de homem
econômico e da sociedade do século XIX. Como as teses da E. M. C. que foram
apresentadas para uma geração como verdade sem o serem, as teses marxista o
foram para a geração seguinte, com o agravante de parecerem ciência. Ambas
limitadas e insuficientes interpretações do mundo. Ambas visões ideológicas e
superficiais, porque toda verdade que nasce numa filosofia, melhor ou pior, é
uma interpretação parcial do real, se degenera quando pretende ser absoluta.
Hoje não precisamos de uma escola sem
partido, precisamos de uma escola para formar a inteligência. Uma escola que
ensine a pensar a uma geração incapaz de fazê-lo, distraída de viver nos
aparelhos eletrônicos, incapaz de concentrar-se, envolvida em conversas vazias
nas redes sociais, que necessita aprender a pensar, necessita de tempo para meditar
as questões fundamentais da vida, além de aprender bem a ciência. Essa geração
precisa de uma escola que não forme pessoas superficiais e embotadas, com professores
mal pagos, desmotivados e revoltados. O problema a enfrentar não é uma escola
sem partido, mas uma escola onde ideologias sejam apresentadas como tal, como
interpretações limitadas do mundo, que precisam conversar entre si para buscar
a verdade. E há outros problemas graves na escola que essa proposta tangencia.
O mais grave é o fetiche da tecnologia digital. Não é preciso abandoná-la, mas
ela não pode ser mais que um método entre muitos que integram o processo
pedagógico, é instrumento algumas vezes válido, outras não. A escola não é um
grande videogame ou jogo eletrônico para divertir uma geração incapaz de pensar
e de trabalhar suas frustrações e limites. Os problemas humanos, os desafios
que a vida traz, os traumas e sofrimentos, não podem ser tratados superficialmente e nem se
resolvem nas redes sociais. Os problemas fundamentais do homem precisam ser
enfrentados com o pensamento crítico, com ciência, com meditação filosófica,
com professores bem formados e pagos e também com respeito pela dignidade
humana, para com as normas sociais, com o reconhecimento das diferenças entre
pessoas, com apoio para enfrentar os traumas e frustrações que a vida traz.
As discussões que a sociedade e o governo
precisam fazer sobre o futuro e o papel da escola estão num outro patamar e
incluem outras questões muito diversas dessa proposta superficial e sem graça
denominada escola sem partido.
Maria Elena Malfatti CINCO estrelas, Professor! (Dez, pode?)
ResponderExcluirTodas as estrelas. Palavra de quem entende. Beleza.
ExcluirToda verdade, mas precisamos de professores conscientes de seu papel.
ExcluirOs problemas humanos, os desafios que a vida traz, os traumas e sofrimentos, não podem ser tratados superficialmente e nem se resolvem nas redes sociais. E não precisa falar mais...
ExcluirTudo que acontece está bem avaliado,mas precisamos saber que a superficialidade dos jovens também esconde o grande vazio existencial.
ExcluirCrianças/adolescentes estão sofrendo pela vulnerabilidade familiar, falta de rumo, orientação dos pais que não aceitam envelhecer, querem ser os amigos dos filho. Se nossa geração sofreu pela rigidez das regras, esta geração sofre por falta de regras, de vínculos familiares, vivem o momento com pouco amor a vida, sem orientação definida que há tempo de plantar e de colher. Sem fé, sem Deus, sem mestres que sintam AMOR pela profissão, estamos deixando uma geração de jovens frágeis e vazios.
Um espetáculo. Nada mais a falar. Parabéns.
ResponderExcluirEscola para a vida. É como precisamos organizar e orientar as novas gerações.
ResponderExcluirÉ urgente que façamos as mudanças necessárias, as novas gerações agradecerão.
ResponderExcluirMaravilha tudo. Mas devemos mesmo passar valores que agreguem conhecimento. Filosofia para saberem pensar, equilíbrio para mente sadia.
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