Introdução
à ética teológica de Inês Millen, Ronaldo Zacarias e José
A. Trasferetti representa o esforço inovador dos autores para tratar os
problemas da moral teológica. Constituído de abordagens independentes têm seu
nexo num paradigma distinto da casuística.
E qual a novidade dessa perspectiva? O
capítulo inicial trata, como referência do novo paradigma, a autonomia da
vontade, afirmação semelhante à que faz Karl Jaspers no capítulo X da Introdução ao pensamento filosófico (9.
ed., São Paulo: Cultrix). Naquele livro, ainda que se limitando ao decálogo
mosaico, o filósofo alemão afirmou que os ensinamentos bíblicos (1993):
"falam à conveniência, através da razão. Levantando-se por sobre a paixão,
a violência, o instinto, o capricho. Dando-lhes obediência, o homem concretiza
sua liberdade existencial" (p. 108). Jaspers destaca que a autonomia da
vontade é aspecto fundamental na limitação do instinto, acompanhando o que
ensinara Emmanuel Kant na Métaphysique
des moeurs (In. Ouvres Philosophiques,
v. II, Paris, Gallimard). Naquela obra escreveu Kant (1985): "L´autonomie de la volunté est cette
proprieté qu'a la volunté d´être à elle même sa loi (independamment de toute
proprieté des objects du vouloir)" (p. 308). Isso significa que, para
Kant, as máximas escolhidas o deviam ser por imposição da vontade do sujeito e
não vir de fora, como diz Inês Millen no capítulo inicial. Outro aspecto que
ela destaca é a fonte deste novo paradigma nos documentos do Concílio Vaticano
II, vinculando-o às renovações promovidas pelo Concílio.
No capítulo seguinte, ao tratar da
libertação que Cristo trouxe ao homem, a mesma teóloga associa liberdade e
dignidade, considerando-as pontos inflexíveis da moral contemporânea. Há
desdobramentos desses elementos, como explicamos em Ética (São João del-Rei: UFSJ, 2010): "a dignidade da pessoa
humana, o amor como ideal de vida, a vida pessoal como um que fazer em
liberdade, a construção da liberdade política e do estado de direito" (p.
160).
No outro capítulo, ao considerar a opção
fundamental que preside a vida do homem, José A. Trasferetti trata de assunto
caro a filosofia orteguiana e existencialista. Apresenta a opção fundamental,
que o filósofo espanhol ensinou ser a fidelidade ao núcleo mais íntimo de si
mesmo, como escolha que desemboca em Deus.
O capítulo seguinte, que considera a
consciência, trabalha a noção de subjetividade moderna e seus elementos
marcantes, a consciência de si, do mundo e seu caráter intersubjetivo. Dito de
outro modo, contempla os diversos aspectos "da subjetividade como reflexão
sobre o eu mesmo" (CARVALHO, José Mauricio de. Subjetividade corporalidade na Filosofia e na Psicologia. São
Paulo: Filoczar, 2014, p. 160). Quando o autor examina a consciência de si não
explicita a distinção entre consciência psicológica e corporal, mas as
distingue bem da consciência moral e explica o sentido preciso de uma ética
teológica para o estudo da subjetividade. Ele coloca na consciência o selo
essencial da presença de Deus no homem. O capítulo de Traferetti sobre o
projeto de vida incorpora os aspectos fundamentais do que o raciovitalismo
orteguiano ou existencialista indicam como aspectos fundamentais da existência
humana, historicidade, situação, circunstância, direção existencial como um
teólogo moralista enxerga o problema, isto é, com a questão do sentido vivida
na direção para Deus, em tensão permanente com as exigências do quotidiano.
O capítulo de Ronaldo Zacarias sobre
valores e normas morais é um texto de Axiologia. Sua abordagem se aproxima de
Max Scheler (cf. o capítulo sobre Max Scheler em Problemas e teorias de ética contemporânea. Porto Alegre: Edipucrs,
2004), trazendo a axiologia para o diálogo com a teologia moral que não era a
pretensão do filósofo alemão. Também é notável sua aproximação das reflexões de
Miguel Reale sobre Axiologia.
O capítulo sétimo considera a
importância de ter um sentido ético como guia para a vida. Por outro lado, ao
preconizar a positivação em leis de ideais corre o risco promover o idealismo
jurídico com todos os males que dele deriva, como se explica em Caminhos da moral moderna. (Belo
Horizonte: Itatiaia, 1995). As razões o próprio autor percebe, a busca de
realizar ideais é sempre feita em meio a contradições e nunca se efetiva de
modo pleno.
O penúltimo capítulo há uma novidade
interessante, a leitura do pecado na vida considerada como projeto e foi tratado
como fruto da irreflexão contemporânea. Esse mal foi tema de outros filósofos
além de Hannah Arendt. Eles atribuíram os males contemporâneos à incultura,
como fez, por exemplo, Ortega y Gasset
ao considerar nosso tempo como a era das massas incultas. O capítulo final
aborda a dificílima missão da Igreja de interpretar a vontade de Deus e examina
os cuidados que é preciso ter quando se trata dos assuntos de moralidade. O
pano de fundo é sempre entender o que desejaria o Senhor Jesus se estivesse
aqui e agora, em sua existência terrena.
O livro enfim é esforço de três teólogos
moralistas para tratar de assuntos contemporâneos e importantes para a vida da
Igreja em nossos dias.
Gostei da resenha, muito atual o esforço dos digníssimos teólogos.
ResponderExcluirA era das massas incultas, produto do capitalismo selvagem que destrói o que não produz moeda.
ResponderExcluirEsta é a dura realidade, infelizmente. a mudança passa pelo resgate dos valores que estão se perdendo.
ExcluirA opção fundamental, que o filósofo espanhol ensinou ser a fidelidade ao núcleo mais íntimo de si mesmo, como escolha que desemboca em Deus.¨ Aqui está a máxima verdade¨.
ResponderExcluirParece que tudo nestes tempos bicudos tem elasticidade.
ResponderExcluirInfelizmente moral está incluída neste pacotão destemperado.
Gostei,uma bela pesquisa, se aplicada melhor seria, mas MORAL e ÉTICA estão em desuso em nossa sociedade.
ResponderExcluirInteressante este olhar relação humano/ pecado.
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