Todos os cidadãos desejam acabar com a corrupção. Mas
quem pode fazê-lo? Apliquemos o método da eliminação. Comecemos com o
executivo. Este evidentemente não será capaz, pois é ele exatamente quem a
promove. É ele que negocia com parlamentares, empresários, partidos ou mesmo
intelectuais para receber os apoios. Então, o executivo fica descartado.
O legislativo? Com certeza não, porque individualmente um
que outro aceitaria pautar-se pela honestidade, mas o todo engole o individual.
Como a pressão do executivo se faz sobre a totalidade, isto é,
corporativamente, as individualidades devem se curvar perante o todo.
O Judiciário? Com certeza é o único que poderia acabar
com a corrupção. Embora tenha um agravante da nomeação do executivo, o juiz
deveria rasgar a ficha de filiação partidária quando ingressasse neste poder. No
Brasil, por exemplo, a maioria da suprema corte ou foi nomeado por Lula ou
Dilma. Mas mesmo assim o judiciário é a última esperança. Vejamos o que
aconteceu com a horrenda corrupção política italiana apoiada pela máfia. O
judiciário italiano conseguiu vencê-la inclusive com sacrifícios cruentos até
mesmo no judiciário.
O mundo político italiano, nos anos Noventa, vinha
marcado pelos radicalismos partidários que caracterizavam as administrações
Provinciais e Municipais. Estes radicalismos eram decorrentes de facções
partidárias estruturadas em cima de ódios e rancores entre famílias tradicionais e aristocráticas
locais. Cada facção identificava-se com um partido. Esta, ao chegar ao poder
fazia a política da exclusão dos adversários, fechando os espaços na
administração, ensino, sistema financeiro. As listas de candidatos
privilegiavam os amigos e parentes do partido majoritário. Se alguém levasse o caso perante a Corte
judiciária, o processo, ou chegava atrasado ou depois da eleição. Taxavam-se
impostos conforme as exigências dos correligionários. A própria justiça era
influenciada pela ação dos partidos[1]. Mas, até que esta rede de
corrupção se manteve dentro de parâmetros que não levassem perigo à sociedade
como um todo, foi tolerado. Afinal, depois de alguma reviravolta, o novo
vencedor faria o mesmo e compensaria. No entanto o quadro começou a chegar ao
limite do tolerado, quando ocorrem suspeitas de que já se haviam estabelecidos
liames entre a política e o crime organizado. Começou então o poder judiciário
organizar uma ação sobre esta suspeita convocando políticos para deporem. Este
foi um dos acontecimentos mais devastadores em termos de desgaste perante a
opinião pública e de discórdias internas para os partidos políticos
tradicionais, em particular na Democracia Cristã. Os mais importantes tiveram
lugar em Milão, batizados com o nome de Mani pulite (mãos limpas). Como o grau
de corrupção era endêmico na cobrança de valores extras, chamados “tangenti”, a
opinião pública criou um quase “ideal-tipo” de corrupção, localizado numa
cidade imaginária, a Cidade das Tangentes, ou Tangentopoli.
O ponto de partida ocorre em fevereiro de 1992 com a
detenção do socialista Mario Chiesa. Em março, como se viu, é assassinado, em
Palermo, o eurodeputado Salvo Lima. Em maio, novamente em Palermo acontece o
atentado com morte contra o juiz
Giovanni Falcone. Em julho acontece a morte de outro juiz Paolo Borselino,
também em Palermo. E em dezembro, o deputado socialista Bettino Craxi é
convocado pela Justiça. Há tentativas de serem freados os inquéritos por parte
do governo que previa uma solução política para a questão. No entanto, em março
de 1993, o Presidente da República Oscar Luigi Scalfaro veta o decreto. No
mesmo mês, o judiciário de Palermo convocado para depor o democrata cristão
Mario Andreotti, Presidente do Conselho. A partir deste, foram envolvidos
grandes expoentes da política italiana, mormente membros do partido da
Democracia Cristã. Um após outro, os cabeças do partido foram chamados a
prestar depoimentos, tais como Arnaldo Forlani e Antonio Gava. Nestes
inquéritos a justiça não se preocupou em distinguir os diversos tipos de
crimes, nem mesmo resguardar a possível inocência dos acusados. No mesmo banco
dos réus estavam juntamente ministros,
executivos, empresários, e bandidos, sem se falar que o processo para os políticos era de tal
maneira que, pelo simples fato de serem convocados pela justiça, publicamente
transparecia a idéia que estavam imputados de culpa, ao menos moralmente
atingidos. As acusações, embora não
confirmadas culposas, perante a opinião pública apareciam como definitivas. Com
isso, muitas vezes tardiamente, foi
reconhecida de não poucos a inocência dos acusados. Os processos envolviam
financiamentos ilícitos de partidos e corrupção estabelecendo-se uma correlação
real com o mundo do crime, quando deveria ter sido apenas hipotética, que
somente poderia ser reconhecida, como mais tarde foi, em poucos casos. No
entanto, naquele momento, Mani Puli igualou a todos os acusados, provocando
verdadeiras decapitações políticas. Os
inquéritos queriam levar à conclusão de que havia uma relação sistêmica entre
política e negócios econômicos e com isso envolveu o mundo empresarial,
políticos e máfia.
A reação imediata foi a fuga tanto de filiados dos
partidos, mormente os tradicionais, como Democracia cristã e Partido
socialista, como dos homens de negócios da política. Claro que este fenômeno
atingiu também partidos de oposição mas em menor escala e com efeitos menos
sensíveis. Os grandes partidos de governo, e em primeiro lugar a Democracia
Cristã que estava no governo desde 1945, foram atingidos no coração. O grau de
desgaste político foi incomensurável, e seu poder ficou
corroído.
A queda livre, porém, não havia chegado ao final, era
apenas o início do tornado. Em março ocorre o assassinato de Salvo Lima, na
Sicilia, amigo de Giulio Andreotti. Este
acontecimento leva a uma hipótese, por parte da Justiça, de que haveria
relações de interdependência entre os partidos e a máfia, objetivando com isso
explicar os homicídios e atentados tais como dos juízes Giovanni Falcone e
Paolo Borselino. Evidentemente que isto levou a Andreotti, que fora Presidente do Conselho, 1991, pela Democracia Cristã. Apesar de ter
sido absolvido após dez anos, a absolvição não convenceu a opinião pública,
pois a sentença não se apoia sobre a inocência, mas sobre falta de provas
materiais para que o poder jurídico pudesse enquadrá-lo dentro do crime
organizado, isto é, não se pôde constatar uma relação entre o mundo
legalidade-economia-criminalidade. A idéia que aflorou foi que Andreotti não
era um mafioso que fazia política, mas um político que usa a máfia. As questões
ético-políticas continuaram a subsistir.[2] No entanto, Andreotti,
como homem público da Democracia Cristã, estava irremediavelmente atingido. Aliás em 1999, quando da absolvição, o partido da Democracia cristã nem mais
existia. Perante a opinião pública, a Democracia Cristã provocou uma sensação
de frustração, de vazio e mesmo de traição. Os estratos médios baixos, os
agricultores, as mulheres, enfim, todo o eleitorado que a sustentava, além dos
motivos políticos tinha outros valores nos quais se identificava na democracia
cristã, entre os quais os religiosos. Aquela confiança atribuída à Democracia
Cristã converteu-se primeiramente em incredulidade, depois em estupefação e
finalmente em revolta, por ter sido, como pensou, tão cinicamente traída
No Partido Socialista o mais atingido foi o líder Bettino
Craxi que também fora Presidente do Conselho por duas vezes, em 1983 e 1986.
Craxi se tornou um símbolo de um político corrupto, que entrelaçava
sistemicamente política com negócios.
Os crimes de Tangentopoli podem ser classificados sob
vários critérios. Seguimos o critério de Luca Ricolfi[3]. Conforme este autor, as
acusações de crimes podiam ser classificados em a) abuso de poder, b)
econômico-fiscais e patrimônio, c) potencialmente de mera transgressão, d)
Comportamentos violentos ( atentados, homicídios, seqüestro de pessoas), e) associações ( mafioso, delinqüente,
subversiva, militar, partido fascista), f) Opinião e informação ( revelações de
segredos de ofício, instigação a desobediência às leis, difamação, vilipêndio
de instituições, apologia ao fascismo, e outros), g) Rixa e conflito, h) outros ( danos
efetivos, comportamentos dolosos, atos provocativos).
Um sintético inventário dos inquéritos judiciais nos
levaria a nada menos que 914 processos, envolvendo 179 tipos de crimes. Dentre
estes, os mais citados foram corrupção inerente ao cargo ( 165), extorsão (
167), divulgação de notícias falsas ou tendenciosas ( 170), falsidade
ideológica, de informação e escrita (
somadas as três: 511), Inobservância de
ordens de autoridades ( 179), ameaças obrigando a cometer crime ( 169), acordo
entre contribuintes para o não pagamento de impostos ( 162), atentados ( 156),
homicídios ( 75), enfim uma infinidade
de acusações.
Em que pese o volume do(s) processo(s), a justiça levou e está levando à conclusão. Os corruptos foram julgados, condenados e a justiça foi feita.
É um exemplo para o Brasil
Em que pese o volume do(s) processo(s), a justiça levou e está levando à conclusão. Os corruptos foram julgados, condenados e a justiça foi feita.
É um exemplo para o Brasil
[1]
MINGHETTI, Marco. I Partiti Politici e
la loro Ingerenza nella Giustizia e nell’Amministrazione. Milano, Società
Aperta, 1997, p. 103 a 105
[2]
SCHIARRONE, Rocco. Il Processo Andreotti e La lotta alla Mafia, Il Mulino. Bologna, p. 496 a 501,
settembre-ottobre 2001.
[3]
RICOLFI, Luca. L’Ultimo Parlamento:
sulla Fine della Prima Republica. Roma, La Nuova Italia Scientifica, 1993,
p. 157 a 161.
Um bom e inteligente artigo.
ResponderExcluirConcordo. Muito bom.
ExcluirBem, pelo menos já sabemos que existe um caminho, só falta um grande e articulado movimento da sociedade para que o Judiciário se conscientize que estamos cansados, não compartilhamos e, não aceitamos a forma como o publico e privado se entrelaçam nas negociações obscuras, onde as leis são desrespeitadas e o dinheiro que poderia tirar jovens das ruas dando-lhes educação de qualidade é direcionado para manter a incompetência de nossos representantes.
ResponderExcluirA população de nosso país não sabe o poder que tem.
ExcluirDiocelia Martins Teixeira Concordo Selvino, estamos longe do resgate....
ResponderExcluirDiocelia Martins Teixeira Concordo Selvino, estamos longe do resgate....
ResponderExcluirPrecisamos mesmo de limpeza geral. Mãos limpas já.
ResponderExcluirInteressantíssimo. Valeu,uma boa leitura.
ResponderExcluirCara vai ser dificil, mas é bom mostrar o caminho.
ResponderExcluirPoderíamos chegar longe,mas os roubos e a corrupção sem controle, está tirando o direito á saúde,educação,saneamento, devemos nos acordar. Até quando?
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