Vivemos há algumas décadas um
clima de irracionalidade que ficou mais visível nesse tempo de pandemia. Trato
por irracionalidade não os atos involuntários que fazemos sem racionar, como
respirar, andar e digerir, mas aqueles em que a reação impulsiva e irrefletida se
dá diante de questões vitais e desafios morais.
É natural que, em momentos como
esse, quando a vida muda as perguntas que costumava fazer, não exista resposta
pronta. É que a vida não sendo racional espera que nós respondamos com a razão,
com a ciência nos assuntos que podem ser solucionados pela razão experimental e
com uma razão não experimental ou filosófica nos demais assuntos.
Embora a razão seja sempre uma
alternativa, a recusa da racionalidade é estimulada por governos totalitários,
grupos mesquinhos, por uma coisa abstrata chamada mercado, num momento de clima
generalizado de medo como agora, ou por outros inimigos dela. Esses adversários
da razão, ordinariamente se aliam a uma população mal formada, que age como
massa. A massa é incapaz de pensar por si mesma, compra uma imagem falsa do
mundo, da vida, da felicidade e assume um padrão bizarro de comportamento. E se
há algo fundamental na Filosofia é que ela obriga a pensar o que está aí e o
que devemos fazer diante disso que se nos apresenta. Como ela questiona
governos totalitários, duvida do mercado quando quer dar o caminho da
felicidade e dos grupos mesquinhos e egoístas, a Filosofia é, por seus
inimigos, acusada de ser inútil tentativa de compreender o mundo. Os mais idiotas
a consideram coisa de comunistas. Afinal, pensar a realidade não agrada o
mercado, os totalitários, os espertos e os maus até que a vida muda as
perguntas e essa gente fica sem respostas batendo cabeça. Por isso, hoje todos
os adversários da Filosofia parecem baratas tontas sem saber o que fazer, o que
eles diziam carece de consistência.
As investidas das forças
irracionais contra a Filosofia é um dos temas de O homem e a filosofia (Porto Alegre, 3 ª edição, MKS, 2018, 343
p.). No capítulo 6, por exemplo, se mostra como os governos totalitários
(nazismo, fascismo e comunismo) contribuíram para formar uma sociedade de
técnicos que reage como massa informe aos desafios da vida. Comenta-se o que
escreveu Hannah Arendt no livro Origens
do totalitarismo descrevendo
o comportamento político que “emergiu nas primeiras décadas
do século XX. A filósofa avalia a destruição da vida pessoal e o problema do mal
presentes na sociedade humana a partir das notícias que lhe chegavam do campo
de concentração de Auschwitz. Sua primeira observação é de que se tratava de
fenômeno ímpar na história humana, irredutível a uma única causa e inexplicável
com conceitos da filosofia do seu tempo.” (p. 133) O extermínio em massa dos
judeus era um tipo de crime não codificado e que foi realizado com a mentira de
que eram eles os responsáveis pelos males do mundo e, ainda, a propaganda
nazistas dizia que os alemães possuíam uma razão superior, capaz de decidir que
vidas mereciam ser preservadas. Negros e outros povos inferiores seriam os
próximos a serem eliminados.
Arendt examinou ainda o
comportamento de Eichmann no livro A
dignidade da política (1993).
Ela relatou que, em seu julgamento, “o militar não apresentou uma personalidade
doentia, nem convicção ideológica profundamente arraigada ou uma especial
tendência para o mal.” (p. 136) Em outras palavras, não era um monstro ou uma aberração,
pelo contrário era pessoa comum, bom pai e esposo, soldado obediente. O que se
passou com ele? Simplesmente, atendendo a propaganda nazista, ele se “tornou um
agente potencial do mal porque abdicou de sua consciência como guia moral para
as escolhas, ele se tornou escravo de uma engrenagem inimiga da liberdade. O
mal praticado por Eichmann tinha origem na sua incapacidade de pensar e agir segundo
sua consciência.” (p. 137). Em outras palavras, o mal vinha de sua incapacidade
para pensar racionalmente. Num outro
livro denominado Eichmann em Jerusalém, a
filósofa aprofundou os problemas que incapacitam examinar racionalmente os
problemas.
Nesses
dias de pandemia quando se obriga a usar máscaras a motoristas que viajam só,
quando não se observa o essencial do distanciamento social (que é se manter, no
mínimo, a dois metros de distância uns dos outros, usar máscara e tomar outras
medidas de higiene quando houver contato ou risco de aproximação com outras
pessoas, e não, necessariamente, ficar em casa), quando o presidente receita,
sem ser médico, um remédio não testado para uma doença nova; quando a imprensa
espalha o terror, assume o papel de consciência moral da sociedade, goza na
repetição do mal e deixa de lado sua tarefa legítima de informar; quando o
cidadão não toma as medidas de higiene necessárias e põe em risco a própria
vida e de seus vizinhos; quando alguns não entendem que a solidariedade no
sofrimento é uma das formas que identifica nossa humanidade e não comunismo,
vemos os sintomas da vitória da irracionalidade e o desastre que é uma
sociedade que deixou de lado a filosofia e suas lições.
Vivemos o medo, incentivados ao pânico, logo seremos uma sociedade emocionalmente adoecida.
ResponderExcluirE tudo que estamos vivendo escancara o quanto faltou nos últimos anos se falar de ética e respeito.
ResponderExcluirA maldade dos badalados ministros da saúde de que era uma doença de idosos, deu no que estamos vendo,
Idosos em casa se cuidando,filhos e netos trazendo a doença para casa.
Gostei!!
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