Não são incomuns as críticas à Filosofia. Embora
elas sempre tenham existido nos últimos tempos uma revista tradicional tem
mobilizado suas baterias contra essa atividade do raciocínio com mais de dois
mil e quinhentos anos de existência. Desde sua criação a meditação filosófica passou
a ser parte constitutiva da cultura ocidental, em alguns períodos com maior e
em outros com menor visibilidade.
As críticas mobilizadas pela Revista se
concentram em dois eixos: o ensino da Filosofia (e da Sociologia), servem de guardiãs
de ideologias de esquerda e seu ensino ocupa um tempo da educação escolar que
deveria ser ocupado com o ensino da Matemática e do Português, pois os
resultados dos alunos brasileiros nas Ciências são ruins, conforme os
parâmetros de avaliação internacional.
Esses argumentos são tão ruins que é difícil
imaginar que alguém, em nosso tempo, ainda os apresente. Os mal resultados dos
alunos brasileiros nos mecanismos de avaliação internacional explicam-se melhor
por uma quantidade de fatores que somam: as más condições de funcionamento da
escola, a desvalorização do ensino entre as classes mais pobres, a
desvalorização profissional dos professores e profissionais do ensino, ausência
de preparação continuada deles, alto índice de violência na sociedade que se
transfere para a escola, os parcos recursos do sistema de ensino, etc. Se
sabemos que as aulas de Filosofia no ensino médio são normalmente duas,
enquanto as disciplinas de ciências juntas elevam-se a pelo menos nove vezes
mais que isso, vê-se que não é a retirada da Filosofia que vai melhorar o
conhecimento das ciências. Esse tipo de discurso é reedição empobrecida da
pregação positivista que resume o real à
descrição dos fatos. Na verdade a argumentação é uma espécie de elogio inútil
da Ciência que remonta aos tempos pombalinos, sem que redunde efetivamente na
melhoria da qualidade do ensino das ciências.
A pobre argumentação do periódico não resiste
à mínima análise. Primeiro porque o ensino da Filosofia, em nosso tempo, não
pode prescindir da Ciência e de suas explicações como legítima interpretação da
realidade. O ensino da Filosofia necessita e não concorre com as Ciências. Segundo
porque a Filosofia não pretende, e não pode mesmo, assumir sozinha a tarefa de ensinar
a pensar a realidade dos alunos, isso é desafio de todas as disciplinas. Terceiro
porque a Filosofia ajuda a entender as raízes da cultura ocidental e dos
valores que a estruturam, dão coesão social e a delineiam: a liberdade, a
democracia plural, o respeito às leis, a tolerância, o respeito à argumentação
racional o dar e o ter razão. Valores cuja ausência alimenta o terrorismo
fundamentalista e o radicalismo religioso. Quarto porque a Filosofia é um
discurso sobre a Verdade ampla (e não ideológico), que é maior, mas que está na
base da própria Verdade científica, estética e no compromisso com ela. Quinto
porque é da essência da Filosofia o debate livre de ideias e a comunicação do
conteúdo pensado, o que é imprescindível à qualquer sociedade humana não
autoritária. Sexto porque para se orientar na vida é importante clarificar
racionalmente as escolhas feitas e a fazer, condição para superar o auto-esquecimento
e não reduzir a vida às trivialidades rotineiras.
Voltando às argumentações iniciais contra a
Filosofia é necessário dizer que todo discurso contra a razão filosófica é ele
próprio filosófico. E, geralmente, de baixa consistência porque tem por
pressuposto que meditar sobre os limites da realidade e os valores é
desnecessário ou porque não tem utilidade, ou porque o verdadeiro se resume aos
fatos. Em resposta a tal raciocínio não só a importância evidente de
desenvolver uma compreensão crítica da realidade, como a preciosa lição de
Ortega y Gasset que dizia que não vivemos sem boas razões para tal. E entre as boas razões é preciso mais que
sobreviver. Por isso, mesmo sem utilidade imediata a Filosofia é imprescindível,
concluiu o filósofo.
Quanto ao desmascaramento das ideologias
poucas disciplinas são tão necessárias como a Filosofia, como mostrou Karl
Jaspers ao final da Segunda Guerra e da derrota nazista. Defesa intransigente
da Filosofia que foi conduzida, não por um militante de esquerda, mas, como o
próprio Ortega, por um dos maiores pensadores liberais da Alemanha livre no
século XX.
Beleza de Reflexão. Muito bom.
ResponderExcluirNo Brasil tudo que leva a pensar é desconstruído, a ideia é continuar uma elite no poder e os burros a sustenta-los.
ResponderExcluirRealmente neste momento nem a filosofia responde pelas grandes desilusões que passamos. Estamos vivendo tempos de desconstrução de valores.
ResponderExcluirJamais teremos uma vida sem boas razões. Jamais teremos boas razões se não nos conhecermos.
ResponderExcluirRevista tradicional? Não merece tal titulo, a quem está servindo? Que interesses defende? Por esta e outras nos tornamos este povo sem rumo, com os ideais massacrados, esperanças destruídos, sem referência. A filosofia nos liberta, mostra caminhos, nos faz seres íntegros, completos.
ResponderExcluirUm belo artigo á refletir.
ResponderExcluirOs resultados dos alunos brasileiros com certeza passam por limites, responsabilidade dos alunos, das famílias e da escola.
ResponderExcluirÉ muitos se aproveitam para destruir o que foi construído.Talvez a filosofia incomode, porque torna o ser humano consciente e conhecedor de si.
ResponderExcluirAmo entender a filosofia.
ResponderExcluirmuito bom o artigo
ResponderExcluiraprendi
ResponderExcluir