Quando o filósofo alemão
Friedrich Wilhelm Nietzsche mencionava a aristocracia em seus textos sobre
moral, tinha em vista antigas elites que não se preocupavam em justificar sua
liderança. A moralidade enquanto costume, para ele, apenas afastava os grandes
homens de seu destino. Se ele obedece leis externas não estará atento a suas
exigências. Sendo assim, o espírito livre não é moral, porque nunca buscará
fora um limite para seus impulsos. Zygmunt Bauman disse que Nietzsche afirmara
isso considerando a moral cristã um projeto dos escravos de Roma, porém a
liderança que o Nietzsche mirava era a medieval que vivia em castelos. Esse
grupo de nobres constituía uma minoria distante da maioria (Vida em fragmentos,
Zahar, 2011, p. 59): “nem construindo e nem precisando construir pontes por
sobre o abismo que os mantinha separados, sem esperar por nenhuma comunicação
dos comuns e dos de baixo, nem sentir a necessidade de comunicar qualquer coisa
a eles.”
Em
contrapartida, quanto a elite moderna, escreveu Bauman, quando pensou seu papel
entendeu que necessitava justificar sua liderança perante as massas. Elas,
então, precisaram de razões para liderar o que queria dizer que (id., p 60):
“precisavam de uma ética – um código de regras para todos e para todas as
ocasiões da vida, regras ubíquas, atingindo cada recanto e cada fenda do espaço
dominado, direcionando ou detendo, conforme o caso exigisse, cada movimento
para todos que habitassem aquele espaço.” Quanto à maioria moderna, em
contrapartida, não necessitava de regras éticas uma vez que estavam numa
situação que os obrigava por uma força brutal, as suas necessidades materiais.
Essa maioria, que Bauman acolheu com a nomenclatura marxista de dominados, não
necessitava, pois, de regras éticas. A ideia de que ela possuía algum modelo
ético está distante da realidade e assim, segundo Bauman, não perderam o que
não tinham. Para esses grupos não houve perda de padrões éticos, pois nunca
acolheram as éticas dos filósofos como nunca entenderam a noção de mercado dos
economistas. Para Bauman a maioria não é tocada por esses conceitos.
A
interpretação de Bauman, em que pese acolha a ideia de crise de cultura que é
fecunda, leva a conclusão de que (id., p. 64): “a crise da ética não
necessariamente augura uma crise de moralidade. E ainda menos obviamente o fim
da era da ética proclama o fim da moralidade.” Nesse sentido, as pessoas que
vivem nesse novo tempo precisarão decidir o que fazer e se depararão com
dilemas morais sem ter por referência uma regra moral. E nessa situação
precisam se posicionar com a autonomia moral e também com sua responsabilidade.
Essa conclusão de que a massa não necessita de um modelo ético como pano de
fundo de suas escolhas morais parece injustificável, ainda que ela de fato não
se detenha em construir e nem em fundamentar princípios. Reduzir as escolhas da
maioria a responder a necessidades materiais tem o óbvio limite de acolher a
visão materialista de um homem reduzido ao econômico, que foi próprio do
marxismo do século XIX, visão superada nos séculos XX e XXI como disse Ortega
há quase um século. O reconhecimento de que essa maioria, mesmo sem ter o
controle da vida econômica, acabou assumindo o protagonismo da vida social,
como mostrou Ortega y Gasset em A
rebelião das massas, está mais próximo do que vemos acontecer. E há mais, a
adesão das massas a uma interpretação rasa do evangelho cristão em nossos dias
mostra o quanto o homem necessita de referências transcendentes para guiar-se
no dia a dia. Isso considerando que essa interpretação, que lhe é ofertada em
muitas religiões, está longe de uma leitura hermenêutica dos evangelhos. De
todo modo, à parte dessas diferenças, podemos destacar uma confluência entre os
dois filósofos, tanto Bauman quanto Ortega entenderam que as massas que assumem
o protagonismo social no mundo pós-moderno não possuem um modelo ético, nem
buscam a excelência da ação em suas escolhas quotidianas.
De ética e moral a massa nada entende teoricamente, mas as pratica. A elite as conhece teoricamente mas não as pratica.
ResponderExcluirAutonomia moral e responsabilidade, aí se complica.
ResponderExcluirAs massas reproduzem a aprendizagem, não lhe dá nome, mas pratica o que entende como comportamento social.
ResponderExcluirUma ótima reflexão, uns não entendem, mas praticam a sua ética.
ResponderExcluirA elite não pratica, tem sua moral elástica.
Não temos rebelião, temos posse do conhecimento, somos a massa manobrada pela elite, viva a internet.
ResponderExcluirTeste
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