quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Filosofia Clínica, aprofundamentos necessários. José Mauricio de Carvalho

 


                                                            Prof. Dr. José Maurício de Carvalho


A editora Filoczar, de São Paulo, está concluindo a edição de um novo livro sobre Filosofia Clínica. Já fizemos outros, além de participar de livros de colegas. Esse, no entanto, nos é particularmente caro. E por qual motivo? Primeiro por que acolhe pesquisas e sistematizações recentes que dão maior densidade e a aproximam das grandes técnicas de psicoterapia. A obra incorpora os estudos da Matemática Simbólica tal como vêm sendo conduzidos pelo criador da técnica o Prof. Lúcio Packter. Segundo por que é uma técnica com recursos para ajudar as pessoas nesse tempo de crise, contradições e dificuldades. Tempo marcado por mudanças na forma como foram consolidados o pensamento, sonhos e crenças da sociedade moderna.

O sociólogo Zygmunt Bauman fez uma leitura dessas dificuldades e apesar de pontos controversos em suas explicações, ele foi preciso ao mostrar que, entre as transformações em curso, encontra-se o surgimento de uma sociedade pouco estável. Tempos líquidos, ele nos disse, em resumo. E, esses dias em que nada está seguro e tudo pode acontecer, traz muitas dificuldades para a maioria das pessoas, algumas pela ausência da estabilidade profissional, outros afetiva, outros, ainda, institucionais. Estamos vendo desenvolver-se uma nova forma de viver a individualidade, que é parte da crise da subjetividade iniciada no século passado. São modificações que tentam ser compreendidas por vários representantes da filosofia contemporânea que esmiuçam esses problemas. E isso nos coloca diretamente na maneira como a cultura havia estruturado as instituições sociais para oferecer certas garantias e seguranças, todas elas postas em causa pela globalização e pela revolução nas comunicações. Essa confusão deu origem a um neoconservadorismo, com elementos religiosos e políticos. Mas um conservadorismo pouco crítico e inteligente que postula um modo de vida inadequado para os nossos dias, já que não podemos repetir o passado quando a vida renova os problemas.

Quanto à Filosofia Clínica, há algum tempo em evidência nos meios intelectuais, podemos dizer que ela não é desconhecida do público brasileiro. Em que consiste? Essencialmente é um método de abordagem psicoterapêutica desenvolvido sobre três colunas: análise categorial, estrutura de pensamento e submodos. Essas três colunas são apresentadas e comentadas nessa obra que não deixa de trazer um resumo do método, oferecendo uma compreensão ampla do assunto. No entanto, a obra não fica nessa exposição didática dos momentos do método, ela inclui um aprofundamento sistemático de procedimentos clínicos, considerando as pesquisas recentes. Em outras palavras, incorpora resultados de pesquisas avançadas lideradas por Lúcio Packter e oferece um conhecimento mais profundo da Filosofia Clínica, trazendo as atualizações necessárias para quem deseja estar atualizado no assunto. Por isso, é um livro tanto para quem está querendo conhecer a Filosofia Clínica como para aqueles que querem aprofundar seus estudos na área.

Cabe observar que, como técnica, ela é diferente da Psicologia pelo diálogo mais estreito com a Filosofia. Entretanto, a Filosofia Clínica se distingue de outras abordagens que usam a Filosofia nos trabalhos clínicos, porque não emprega as teorias filosóficas no aconselhamento psicológico. O método foi singularmente construído por Lúcio Packter que fez um diálogo criativo com a tradição filosófica. No entanto, para nós esse diálogo com a herança filosófica, que é singular como método, tem uma marca do tempo em que foi criado e possui elementos estruturantes da fenomenologia-existencial. Uma fenomenologia existencial considerada mais como filosofia que como método. Ou de forma mais simples, a Filosofia Clínica tem, por pano de fundo, as referências da filosofia contemporânea desenvolvidas na Europa continental, mesmo sem deixar de dialogar com a filosofia analítica e com o pragmatismo norte-americano.

Trata-se de um livro com muitas novidades, mesmo para aqueles que já têm um conhecimento da Filosofia Clínica. Esperamos que seja bem acolhido e examinado pelo público.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

E POSSÍVEL A DEMOCRACIA DIRETA? Selvino Antonio Malfatti

 



Atualmente a democracia é atacada pela frente e pela retaguarda, ou pela direita e pela esquerda. Pela direita temos o exemplo de Trump do Estados Unidos e de esquerda e direita os “coletes amarelos”( gilets jaunes) de França. Todos os excluídos tanto de direitas como de esquerda detestam os políticos e as instituições democráticas. Estudiosos da política como professor  Christian Le Bart ,( Política ao contrário)  “La Politique à l'envers”, constata a desconfiança dos cidadãos em relação à política e aos políticos. Seu trabalho conclui que a democracia representativa está ameada de morte. Todos querem sua cabeça. Já não se contentam os manifestantes com o atendimento das reivindicações, mas a mudança do sistema.

A ideia democrática surgiu na Grécia, mais precisamente na Cidade de Atenas. Todos os que tinham o status de cidadãos podiam votar. Não eram muito numerosos e, portanto, seria viável convocar a todos.

 As populações das nações posteriores tinhamuma população muito numerosa. Diante deste quadro não se pensar numa democracia direta. Seria impossível reunir milhares de cidadãos numa praça e decidir diretamente. Foi então que, na Inglaterra, surgiu a ideia de alguns cidadãos representariam o todo. A Igreja católica provavelmente deu a ideia: alguns cardeais em nome de todo povo católico elegiam o papa. Comparemos a democracia direta de Atenas e como poderia ser a atual:

1.      Democracia direta grega.

A democracia direta foi praticada em Atenas no Século V a.c. no denominado “período clássico”. Os cidadãos participavam diretamente nas decisões sem intermediação participar. Todos os cidadãos do sexo masculino, com mais de 18 anos podiam tomar parte.  Faziam assembleias, Eclésia,  40 vezes ao ano numa colina chamada de Pnyx.

Nas assembleias os cidadãos discutiam e votavam diretamente em decisões que afetavam a Polis com leis, políticas internas e externas, assuntos militares e financeiros.

As decisões eram tomadas por maioria simples, geralmente por votação aberta (mãos levantadas).

2.      Democracia censitária

Na Inglaterra, na Idade Média, participava das decisões governamentais somente nobreza alta. O enriquecimento dos proprietários forçou a nobreza abrir-lhe espaço para participar das decisões. O próprio rei dependia dos proprietários para pagar seus soldados. Como não podiam participar todos, decidiu-se que seriam escolhidos representantes. Disso decorreu de que cada cem proprietários um os representaria. Surge então a democracia censitária ligada a posses.

3.      Evolução da ideia da democracia.

No decorrer dos séculos XIX e XX continua evoluir a democracia grega e a censitária, devido às novas realidades políticas, econômicas e sociais, secundadas pelas novas descobertas culturais e científicas.

Um exemplo são os avanços na extensão do voto. Isso se deu com a extensão do voto à classe média urbana que estendeu o voto aos trabalhadores urbanos. Mas ainda o voto continua somente masculino nas reformas de 1832, 1867 e 1884 que inclui os trabalhadores rurais. Estas reformas ocorrem na Inglaterra, mas é seguida por outros países ocidentais.

O último estágio foi alcançado com voto feminino que ocorreu em 1920 nos Estados Unidos em 1932 no Brasil. Estas reformas deram-se devido aos avanços sociais como a abolição da escravatura e melhorias nos salários graças aos sindicatos e parlamentos.

4.      A forma da democracia – forma direta.

Até o momento prevalece a democracia representativa. Como disse D. João VI a D. Pedro I em relação à Independência do Brasil: faze tu antes que algum aventureiro a faça. E foi com acerto. D. Pedro ao fazer a Independência do Brasil garantiu à América portuguesa unidade territorial, ao contrário da América Espanhola que se fragmentou seu império em dezenas de republiquetas. Este modelo nos sugere que a forma reformista da democracia é melhor que o revolucionário.

Por isso é melhor introduzir a democracia direta pela via institucional do que pela via revolucionária. O passo a ser dado será substituir democracia representativa pela direta através do processo institucional. Não significa colocar abaixo todo o arcabouço da democracia representativa  apenas substituir pela direta. Em linhas gerais, sem burocracia, em cada localidade instalar uma sala com computador e internet ou celular com aplicativo em comunicação com uma central. O governo proporia a pauta e os cidadãos concordariam ou apresentariam sugestões, as quais apresentadas aos cidadãos novamente para votação. Os assuntos aprovados entrariam em vigor experimentalmente e se comprovada a eficácia estariam aprovados definitivamente.

Quanto às casas manter-se-ia o senado, pois a função dos deputados seria exercida diretamente pelos cidadãos. Ao senado se atribuiriam as mesmas das  atuais. Da esma forma ao judiciário.

Estas, em linhas gerais, seriam estas as reformas propostas para adoção da democracia direta.

A IA poderia nos ajudar fazendo o bem.

 


sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

O acirramento da violência. José Mauricio de Carvalho

 



O dia 25 de novembro pretende dar visibilidade à violência contra a mulher. A ONU escolheu esta data porque foi nesse dia, no ano de 1960, que o ditador da República Dominicana Rafael Trujillo torturou e executou as irmãs Mirabal: Pátria, Teresa e Minerva. No último dia 25 a ONU divulgou dados assustadores da violência contra a mulher, mostrando que se trata de um comportamento infelizmente espalhado pelo mundo, tendo havido 85 mil assassinatos de mulheres em 2023, uma a cada dez minutos. Na Europa é onde a violência é menor, mas também está crescendo nesses últimos anos.

No Brasil a situação não é nada confortável, havendo o Ministério das Mulheres divulgado uma pesquisa feita em outubro deste ano com uma amostra representativa da população brasileira. Ela revela que 20% das mulheres relataram que já haviam sido agredidas ou ameaçadas de morte por companheiros e/ou ex-companheiros. A tendência de agravamento do quadro identificado pela ONU no mundo também se verifica em nosso país. O que explica esse aumento da violência?

Algumas razões são apresentadas nesses estudos, há, geralmente, motivos culturais relacionados à crença na submissão da mulher. Há o crescimento dos divórcios pedido por mulheres que buscam a independência financeira e profissional. Há uma crescente preocupação feminina com o êxito e carreira profissional a interferir em relacionamentos. Essa situação inserida num tempo em que a independência financeira e autonomia feminina são estimuladas em diversas partes do planeta, cria tensões nas sociedades mais conservadoras. Por detrás da violência há também uma leitura anacrônica de morais religiosas que submetem as mulheres a rígido controle de costumes, regras que nasceram em outro momento histórico e de uma interpretação machista da vontade de Deus. Enfim, são muitos os motivos para a violência, inclusive a pequena importância que as polícias atribuem às denúncias e queixas das mulheres contra ex parceiros.

Sem deixar de considerar a correção dessas explicações, devemos ir mais fundo recordando que a criatura humana, o que não exclui as mulheres, é instintivamente agressiva. Os maiores estragos são de responsabilidade masculina, pois o homem é, geralmente, fisicamente mais forte que a mulher. No entanto, o controle da agressividade é um dos desafios de nosso tempo, quando diversas sociedades assistem ao crescimento da violência também contra idosos e crianças, contra o pobre, as minorias e o estrangeiro. Enfim, a violência vem crescendo em função de dificuldades variadas que inclui o aumento das guerras regionais, da perseguição ao diferente e da procura de melhoria de vida pelas populações mais pobres.

Isso significa que o aumento da violência contra mulher é parte de um quadro geral do aumento da violência pelo mundo, pelo atual crescimento de um tipo de pensamento que se auto intitula conservador, com pautas radicais que apontam para a derrota da vida civilizada, da racionalidade iluminista e dos propósitos de paz e progresso visíveis na belle époque. A desconsideração da razão e dos esforços por pautar a vida nos seus limites, tem aberto as portas para todo tipo de violência, inclusive a praticada contra a mulher, as crianças e velhos. E, nesse mundo, quando mais se considera normal a violação das normas e leis em geral, maior a violência contra os mais fracos. Pois quem não tem limites no controle dos instintos é uma ameaça para a sociedade. E a despreocupação com a violência cresce na mesma proporção que se reduziu: o ensino das humanidades, da educação não tecnológica, do respeito às normas de uma moralidade ética.

Enfim, a violência contra a mulher é parte de um tempo que assiste ao crescimento das outras formas de brutalidade, todas alimentadas pela intolerância de um conservadorismo que atinge os fracos do mundo, o pobre, o estrangeiro, o diferente, as minorias, etc. Violência que precisa ser combatida como forma de reestabelecer uma sociedade mais fraterna e comprometida com as boas causas.

 

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

FRÉDÉRIC BASTIAT E SEU PENSAMENTO SOBRE A LEI. Selvino Antonio Malfatti.

 


Neste mês de dezembro ocorre o trigésimo aniversário de morte de Fédéric Bastiat. Nasceu em França no início do século XIX e faleceu em Roma na véspera de Natal de 1850. Viveu um período efervescente e conturbado na Europa. A França, depois do período napoleónico, apensar de inúmeras tentativas, se encontra só no final do século. A Inglaterra vive o apogeu da era vitoriana. Alemanha, em que pese a preocupação com sua unificação, forma o império com Oto Bismark. A Itália consegue sua unificação de um conglomerado de pequenos reinos sob Vitor Emanuel. Permeando tudo isso há os debates do voto, do socialismo, do sindicalismo, da escravidão, esta condenada “in limine” por Bastiat.

No conturbado meio político da Europa, mormente na França, com a República, Restauração, Constituição e novamente República, Bastiat escreve La Loi (a Lei), no final de sua vida. O que o levou a escrever este pequeno livro? Pequeno só em tamanho, pois seu conteúdo é imenso! Da mesma forma que Alexis Tocqueville que escreveu A Democracia na América, buscando no espírito do povo americano a explicação de suas instituições, Bastiat preocupado com seu país que não encontrava o espírito do povo,  pois vivia continuamente em crise: não servia a monarquia, não servia a República, não servia o Império, finalmente volta para a República.  Por quê esta instabilidade e inquietude? - se pergunta Bastiat. Por que não há uma legitimidade alicerçada nas tradições do povo. Os políticos inventavam leis que saíam de suas mentes, mas não tinham nada a ver com o povo. Era preciso buscar novamente o coração do povo, a intimidade da consciência de cada um, aquilo que o povo espontaneamente praticava.

E qual é este fundamento? O que o povo praticava?  A lei natural. No fundo Bastiat, um conservador como Edmund Burke, que no livro L´Ancien Régin condena Revolução que pôs abaixo todas as tradições do antigo Regime, as obsoletas, mas também as válidas , pede para repensarem Jonh Locke, Segundo Tratado do Governo Civil, no qual nos Capítulos IV e V estabelecem magistralmente os direitos individuais naturais, dos quais derivam todos os demais direitos, vida, liberdade, igualdade, inclusive o de propriedade. Este direito natural é sim o espírito do povo, enraizado em toda história da França desde Aristóteles, na Política,  Santo Agostinho na Cidade de Deus e dos Homens, em Santo Tomás na Suma Teológica, em Kant na Metafísica dos Costumes,  o qual institui o dever como algo natural,  e continua o desfilar de pensadores que se alicerçam sobre a lei natural.  Por isso, a lei deve começar com eles e não com derivações mentais que não tem ressonância na natureza e que só servem para tiranizar o povo com promessas filantrópicas, do calibre socialista e enciclopedista, mas no fundo o que praticam é a espoliação.

À guisa de conclusão podemos dizer que Bastiat coloca como alicerce da lei os direitos naturais, os quais fundamentam a liberdade e a justiça. Defende que a prosperidade e a paz só podem ser alcançadas quando a lei tem por objetivo assegurar os direitos naturais, e não para proteger privilégios ou interesses específicos em detrimento dos gerais. Se a lei natural for consagrada para proteger os direitos individuais, estes erguerão uma barreira contra o poder estatal.

 Nota do Autor: A questão dos direitos individuais é tão importante no Pacto de Paz de Pedras Altas,  Rosário do Sul, 1923, entre Chimangos e Maragatos do Rio Grande do Sul consta três vezes O RESPEITO AOS DIREITOS INDIVIDUAIS.


sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O G2O Rio-024. Selvino Antonio Malfatti

 




Nos “G20” reúnem-se as maiores economias mundiais abrangendo 85% da produção internacional.  A presidência é rotativa cabendo ao Brasil para este ano de 2024, até dezembro.

A agenda geralmente tem um ponto focal, este ano a questão da fome sob a sugestão do Brasil. Nos encontros quase nunca faltam as questões abaixo, embora também quase sempre fica só no papel, com algumas exceções. Abaixo as resoluções deste ano.

1.   Mudanças Climáticas e Sustentabilidade

Neste tema as discussões envolvem redução de emissão de carbono, atualização de energias buscando as renováveis, financiamento climático para países em desenvolvimento financiamentos de produções agrícolas sustentáveis.  

2.   Economia Global e Comércio

A economia global veio para ficar. As tentativas para implantar as alternativas redundaram em fracasso, inclusive as alternativas  já em funcionamento pouco a pouco estão se tornando globais, como China e Rússia.

As soluções apontadas são no sentido de estancar a inflação global e as consequências da pós-pandemia.

3.   Tecnologia e Inovação

A emergência da Inteligência Artificial requer urgentemente de regulamentação, cibersegurança e segurança de dados.

Questões relacionadas à cibersegurança e proteção de dados. Incentivar a conectividade e a inclusão na educação de novas tecnologias

Expansão da conectividade digital e inclusão tecnológica.

4.   Segurança Alimentar e Recursos Naturais

Incentivos governamentais à agricultura sustentável e evitar o desperdício alimentar.

5.   Saúde Global

Previsão de epidemias, saúde pública e provisão de vacinas.

Apoio à Organização Mundial da Saúde e preparação para enfrentamento global às crises sanitárias

6.   Geopolítica e Segurança Global

Gerenciamento pacífico de conflitos bélicos.

Estímulo ao combate ao terrorismo, tráfico de drogas e crimes cibernéticos.

Além desses temas foram discutidas e aprovadas medidas para garantir o desenvolvimento e Inclusão Social, energia e Transição Energética, estratégias para acelerar a transição para fontes de energia limpa e outros temas relevantes para o mundo ou comunidades particulares.

Sob a presidência do Brasil este ano o tema principal foi a fome. Foi aprovada a sugestão da criação de uma Aliança Global contra a fome e Pobreza. Para tanto foi levantada a hipótese de criação de um fundo internacional para dar suporte às políticas públicas e programas que visem a eliminação da fome.

O encontro conclui que a fome é uma consequência das desigualdades estruturais, potencializadas por crises globais, adventos climáticos adversos e guerras, ligadas à Agendas 2030 da ONU. O Brasil assumiu a responsabilidade de levar adiante a proposta.

 


sexta-feira, 15 de novembro de 2024

A AUTORIDADE DO PROFESSOR. Selvino Antonio Malfatti

 




 

Neste artigo focamos a autoridade do professor em sala de aula. Para chegar à função o professor deve ter formação específica, demonstrar habilidade, agir ético comprovado. Em troca receberá um salário.

Para exercer sua função receberá uma classe de alunos aos quais ministrará aulas. As condições para o bom exercício é a disciplina tendo em vista que as aulas não são individuais, mas coletivas. O pressuposto para a disciplina é o respeito à autoridade moral e física do professor.  Atuação do professor é específica: ele transmite conhecimentos, cobra através de avaliações o aproveitamento, atribui um conceito final na conclusão do período.

Um dos problemas enfrentados por professores em todos os tempos é a autoridade. Esta significa que o professor tem que exigir: disciplina, fazer temas ou trabalhos, cumprir ordens. Acontece que enquanto o professor só tiver uma autoridade moral, nem sempre suas ordens são eficazes. Será necessário que tenha em potencial uma autoridade física pra se tornarem efetivas as suas ordens.

As leis devem ser claras e o os poderes – executivo,  judiciário e legislativo -  torná-las eficazes. Não adianta nada o professor ter autoridade se um dos poder desacreditá-la.  A autoridade possui uma hierarquia, reconhecida por quem deve obedecer. Mas não é só. A autoridade deve ter principalmente legitimidade para que mereça obediência. A legitimidade é proveniente da lei legítima. Por isso a autoridade do professor reside no direito, por que embora um ditador faça leis, contudo estas não tem legitimidade.  De tal sorte que se tornou proverbial: sem legitimidade não há autoridade.

Este conceito transposto à escola terá a mesma validade? Comumente a receita aplicada é esta: repressão, sanção e disciplina. Com toda a autoridade que carrega pela própria experiência, Hannah Arend se pergunta: “o que é a autoridade”? Para ela a autoridade exclui os meios externos de coerção: “onde a força é usada a autoridade propriamente falhou”. Detalha a filósofa: a autoridade baseia-se numa hierarquia, cuja legitimidade é reconhecida por quem obedece. Quem se submete não se inferioriza. Estão intimamente ligados: legitimidade, reconhecimento e autoridade. A autoridade não deprecia ninguém, nem lhe tira a liberdade.

O certo é que as queixas da falta de autoridade dos professores continuam. Ora são professores que não conseguem disciplina nas salas de aula, ora são agressões físicas, ora denúncias de maus tratos ou racismo, enfim professores envolvidos num emaranhado de leis que os acusam por quaisquer motivos até discriminação sexual.

Serão estas queixas apenas uma nostalgia de tempos autoritários ou refletem uma crise mais profunda? A legitimidade das instituições e nelas os docentes? O fato é que há uma crise não só na escola, como na educação como um todo como constata Eirick Prairat, autor de Eduquer avec tact.

A difusão das ideias democráticas em todos os estratos da sociedade em si é positivo. Mas há espaços pré-políticos, que não são abarcados pela democracia, conforme Hannah Arend. Quais são estes espaços? Tudo o que não for público é privado. Nos espaços privados estão os espaços pré- políticos ou espaços de iniciação que precedem e preparam para os espaços políticos. Citam-se a escola e a família. Nestes é necessária a autoridade como forma de educação. Como nestes ambientes as pessoas estão em formação da personalidade e do caráter são espaços intermediários para no futuro exercer cada um a cidadania na esfera pública. Justifica-se a autoridade nestes ambientes para o desenvolvimento da capacidade crítica de discernimento. É a educação para democracia.

Nestes ambientes, principalmente na escola, o adulto, no caso o professor, assume a responsabilidade de introduzir as novas gerações para o mundo. Para tanto requer autoridade para transmitir os conhecimentos armazenados pelos antigos para os novos e o treinamento para a democracia.

Para Arend na escola a autoridade é exercida pelo educador não para suprir a liberdade, mas para aprendê-la e depois como adulto exercê-la.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Transtorno esquizofrênico e morte no sul. José Mauricio de Carvalho

 




Zygmunt Bauman realizou diversos estudos sobre a atual crise de cultura e suas manifestações. Um dos aspectos mencionados como causa dessa crise foi o desmantelamento do Estado Social. O desmonte se devia, avaliou, ao desinteresse do grande capital pelo bom funcionamento dos Estados. Isso porque ele já não mais necessita de um exército de trabalhadores e, assim, se descomprometeu de sua formação e manutenção. O fenômeno foi descrito genericamente como desterritorialização do capital, isto é, quebra do vínculo da territorialidade entre o capital e o Estado onde ele está. Não tendo mais necessidade de um lugar fixo para se desenvolver, o grande capital não necessita mais se responsabilizar por um povo ou Estado.

Por conta de seus atuais interesses e depois que deixou de se preocupar com a ameaça comunista, pelo fim do comunismo real, o grande capital anda solto pelo mundo. Como um bom boêmio dorme aqui e acorda acolá. Passa a vida a proclamar as delícias do consumismo e do gozo imediato e irresponsável. A Rússia não mais ameaça com o comunismo e a China criou uma espécie nova de despotismo oriental, autoritária e capitalista. Os remanescentes do comunismo como Coreia do Norte, Cuba e Venezuela servem apenas para se mostrar o que se deve evitar. O totalitarismo ou ao menos o brutal autoritarismo ali praticado não deve mesmo ser tolerado. Aliás, nenhuma forma de governo autoritário deve ser aceita, pois a democracia e o estado de direito é a melhor experiência de organização política que temos.

A desterritorialização do capital e seu desinteresse pelo destino do Estados criou dificuldades crescentes para a manutenção de compromissos históricos entre o Estado e seu povo. Compromissos como a educação pública de boa qualidade, serviços de saúde públicos e institutos de previdência social, além da segurança cidadã. Lembremos que a proteção da criança desassistida, dos doentes e velhos foi uma conquista da sociedade ocidental, assuntos defendidos pelos grandes capitalistas dos últimos séculos por obediência, inclusive, ao princípio moral bíblico de proteger os fracos e desamparados: crianças, doentes e velhos. Nesse novo momento e, sem explicar isso ao povo, políticos de extrema direita atribuem os novos problemas do Estado ao estrangeiro e ao diferente (minorias em geral e pobres) e esperam transformar o Estado numa delegacia de polícia com um território cercado de muros. Vendem esse projeto como a maravilha da classe média e inventaram um cristianismo da prosperidade e riqueza tão distante dos ensinamentos do mestre de Nazaré como o sol da lua. Esse tal evangelho da prosperidade ajuda mais a enriquecer alguns pastores e igrejas, mas isso é outra história.

No campo da segurança, a falta de compromisso do Estado com o seu monopólio se mostrou, entre coisas iguais, na política dos CACs. Em outras palavras, sem o monopólio da segurança pelo Estado e seus agentes policiais, cada qual se vire e proteja vida e patrimônio de arma em punho. Porém colocar arma, generalizadamente, na mão da população, nunca foi o melhor caminho para garantir a segurança de ninguém. Isso feito e caminharemos para aquilo que Thomas Hobbes descreveu como guerra de todos contra todos.

O episódio recente no qual o caminhoneiro Edson Crippa, que matou diversas pessoas em Novo Hamburgo (RS), é um bom exemplo do que significa armar indiscriminadamente a população. O caminheiro era portador de transtorno esquizofrênico e já havia sido internado em diversas instituições psiquiátricas. Quem conhece a dinâmica desse transtorno sabe que ele se manifesta em crises episódicas quando a pessoa pode se tornar extremamente agressiva. Os sintomas do transtorno são: alucinações, delírios, pensamento desorganizado, abulia, falta de prazer na vida, dificuldade de organizar informações e usá-las adequadamente, dificuldade de interagir socialmente, entre muitos outros sintomas graves de alteração da consciência.

Mesmo com esse diagnóstico, Edson Crippa consegui a certificação de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) e tinha em sua posse quatro armas: uma pistola de 9 mm, uma pistola 380, uma espingarda de calibre 12 e um fuzil, além de mais de 300 munições. Provavelmente devido a uma denúncia de maus-tratos aos pais, ele entrou em surto. Durante o ataque, Edson matou o pai, um irmão e dois policiais. A mãe e a cunhada e outras pessoas foram gravemente feridas. No final o próprio atirador também foi morto. Uma tragédia que poderia ter sido evitada se o motorista não tivesse armas à mão e elas estivessem confiadas apenas aos agentes de segurança.

Assim, devido a diferentes e novas dificuldades, os Estados terão que se reinventar. Não fechando os olhos para os problemas ou pela reativação de um nacionalismo nazista e doentio, mas pelo fortalecimento da democracia e seus mecanismos.

 

 

 

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Papa Francisco e o Amor. Selvino Antonio Maslfatti

 


 


 

 A nova Encíclica de Francisco I insere-se na vertente franciscana do pensamento cristão. Com efeito, o franciscano Dun Scotus enfatiza o papel da vontade colocando-a em supremacia em relação à razão. Da mesma forma São Francisco é todo amor em relação à razão. Não pode ser esquecido Santo Agostinho quando proclama: “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. O fundamento geral e próximo é o evangelho de São João.

O título da Encíclica Dilexit vos consta do livro de São João, capítulo 3 e em outras passagens bíblicas. A linha de pensamento dirige-se, não à razão, mas ao coração, por isso enfatiza a caridade e com ela quer enfrentar os desafios contemporâneos. Destacas o amor na vida da Igreja e dos fiéis lembrando as palavras de Jesus: “amou-vos até o fim.”

Destacamos os principais pontos:

O amor é o coração da Igreja e de toda a sua ação. O amor não é algo teórico, mas concreto que se manifesta através das obras de misericórdia que se concretizam no serviço aos pobres e marginalizados.

A caridade através da qual busca a justiça social. Esta caridade não apenas visa a ajuda material, mas trem em mente a justiça social. A igreja deve estar atenta às necessidades dos vulneráveis e esforçar-se para promover um mundo amis justo.

Um dos temas mais badalados internacionalmente é o meio ambiente. A solução é novamente o amor para cuidar da criação da criação. Cita, para tanto a própria Encíclica: Laudato Si. Este amor deverá se estender a todas as criaturas.

Os povos devem procurar a unidade e a fraternidade através do amor. Este promoverá a fraternidade  e o respeito mútuo, inclusive entre as religiões.

Cristo é o exemplo do amor sacrificial. O papa exorta os cristãos a seguirem seu exemplo para sua entrega ao próximo.

Estes são os principais temas abordados pelo papa. Concluindo, quer uma igreja voltada para o serviço social, com justiça social e o cuidado com o ambiente, através do amor.

Encíclica:

 “Ele nos amou”, diz São Paulo, referindo-se a Cristo (Rm 8,37), para nos ajudar a descobrir que nada “poderá nos separar” daquele amor (Rm 8,39). Paulo afirmou isto com certeza porque o próprio Cristo tinha assegurado aos seus discípulos: “Eu vos amei” (Jo 15, 9.12). Ele também nos disse: “Eu os chamo de amigos” (Jo 15,15). O seu coração aberto precede-nos e espera-nos sem condições, sem exigir um pré-requisito para poder amar-nos e oferecer-nos a sua amizade: “ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 10). Graças a Jesus “conhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos” nesse amor (1Jo 4,16).( CARTA ENCÍCLICA, DILEXIT NOS, Santo Padre Francisco)

 

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Democracia e religião .José Mauricio de Carvalho

 



A religião, como fato cultural, é uma das dimensões fundamentais da Vida. Tem um lugar importante no pensamento moderno ao lado da Ciência, da Filosofia e das Artes em geral. Ela enseja uma forma de ver o mundo e uma das fragilidades da modernidade foi perder de vista o significado da religião e de uma linguagem que ligue o homem com a transcendência.

O ocidente tem a Bíblia cristã, com seus dois testamentos, como livros sagrados, incorporando, assim, o essencial do livro sagrado dos judeus. No Primeiro Testamento (também chamado de Antigo Testamento) vemos que a religião ditava o ritmo da vida e inclusive os rumos da política. Disso tratei no livro sobre Martin Buber, publicado pela Filoczar de São Paulo. Ali mostramos que depois de sair do Egito, o povo judeu (CARVALHO, 2017, p. 77): “procurava Moisés para decidir sobre todos os assuntos da vida diária, por isso ele foi aconselhado a ter auxiliares para se dedicar apenas aos assuntos mais importantes de sua missão. A organização do povo naquele momento da viagem se assemelhava a das tribos de Madián, que eram diversas e tinham experiência de como se organizar nas andanças pelo deserto. E, para cumprir sua missão, Moisés adotou a forma de organização sugerida pelo sogro, uma estrutura sem alma copiada dos medianitas. Como explicou Buber, esse foi um acontecimento realmente histórico, já que os medianitas tinham experiência de como organizar as andanças pelos campos da região.”

 Segue-se a estruturação moral da sociedade pela lei mosaica, que a fé do povo acolheu como vinda diretamente de Deus. Embora, na sequência da história, a organização política foi entregue aos juízes e reis, enquanto a vida religiosa ficava a cargo dos sacerdotes. Na era profética, os homens de Deus sempre tinham algo a dizer sobre a vida e influenciavam o destino do povo, inclusive a política.

A boa novidade dos tempos modernos na Europa foi organizar a vida política à parte da religião. Isso porque havendo várias religiões cristãs num mesmo Estado Nacional era melhor deixá-las cuidando de assuntos espirituais e oferecendo uma moral íntima, ajudando, enquanto organização, a formatar uma moral social laica. Assim, religiosos e seus interesses ficavam fora da organização política da sociedade. Foi preciso revisar o pensamento judaico-cristão para ele não alimentar o fanatismo religioso, não estimular o ódio a outras crenças e nem tentasse impor à força uma religião, uma fé, uma perspectiva de mundo. Ficou claro, para o homem moderno, que uma sociedade de irmãos é um ideal moral e somente nesses termos encontra justificativa em nossos dias, como explicaram o judeu Martin Buber e o notável teólogo protestante Paul Tillich.

É claro que, como a sociedade caminhou no sentido da laicização, em alguns setores eclipsou Deus, resultando em dificuldades para lidar com o sagrado. A laicização acabou plantando sementes de uma crise que desabrochou em nosso tempo. Essa semente não foi, contudo, a única responsável pela crise de cultura atual. Chegamos por muitas influências à sociedade líquida e desinstitucionalizada. Como se trata de assunto complexo não temos como entrar nos múltiplos elementos dessa crise nesse pequeno ensaio.

Um fato novo e estranho de nossos dias foi o apoio de religiões neopentecostais a um pensamento de direita e extrema-direita, em razão de um interesse comum, a pauta de costumes conservadores. Essa aproximação não apenas dificultou parte da sociedade discutir os novos problemas morais e conversar com o que hoje temos, como trouxe para o discurso político a mesma intransigência, fundamentalismo e radicalismo que marcam essas crenças. Isso deu ao assunto um clima que em nada favorece um ambiente saudável de debate, que consiste em dar e ter reconhecida a razão quando se discute o destino dos grupos.

Some-se a isso a popularização das redes sociais usando um algoritmo que aproxima os que pensam iguais e afasta quem pensa diferente. Concebido para vender e identificar interesses comuns entre consumidores, as redes sociais e sua forma de funcionamento, alimentam a radicalização do pensamento político e favorecem um ambiente antidemocrático que precisamos revisar e modificar.

O futuro da democracia vai exigir que essas duas realidades, a religião e a política, sejam acompanhadas e revisadas para superar os discursos de ódio, o unilateralismo, o fanatismo e, especialmente, para manter a distância necessária entre as religiões e o espaço político.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Literatura e Filosofia nos escritos de João Guimarães Rosa.

                            Juliana Santana, Dra. em Ética e Filosofia Política. 


  



Quais limites separam um texto literário de um texto filosófico? Esta pergunta permeia o pensamento humano ocidental ao menos desde que entre os gregos instituiu-se uma forma diferenciada de saber e de discursar sobre certas questões a qual se convencionou chamar, ao que tudo indica desde Pitágoras de Samos, Filosofia.

A partir de então buscou-se, como o fez, por exemplo, Aristóteles em sua Poética delimitar contornos específicos para a filosofia e a poesia. O filósofo afirma que não seria o fato de se escrever em versos o que faria de alguém um poeta. Mais de dois milênios mais tarde, Jean-Pierre Vernant em seu As origens do pensamento grego buscou explicar por que razões o poeta Hesíodo não fora o primeiro dos filósofos gregos.

Para nós, o fato é que tais explicações têm sua validade, porém não põem fim ao problema em tela. Os liames entre Filosofia e Literatura são muito menos precisos do que se gostaria e a pergunta se nos afigura como uma interrogação realmente filosófica. Por tal motivo dedicaremos as breves linhas que seguem a esboçar uma consideração sobre a filosofia que entendemos estar presente nas páginas da obra do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Acenaremos para tal possibilidade pensando no caráter universal, problemático e teórico conceitual que costuma-se defender como sendo distintivo das questões propriamente filosóficas e que entendemos serem aspectos presentes igualmente nos escritos de Rosa. A despeito do cenário mineiro apresentado em muitas das páginas literárias de Sagarana, a primeira coletânea de contos rosiana mostra para o mundo questões que poderiam bem figurar dentro de um compilado de problemas filosóficos. Não obstante, temas que fustigam e mente humana há milênios são ali representados também sob uma potente forma poética. A título de exemplo, podemos citar questões como aquelas sobre a morte e a vida presentes no conto que inaugura o livro, O burrinho pedrês, mas igualmente aparecem em A hora e a vez de Augusto Matraga, estória que o fecha.

Em ambos os escritos é possível entender tais assuntos como representados pelas águas correntes dos rios que são descritos nas estórias e que estão direta e simbolicamente associados à passagem, à travessia da vida para a morte. Em Rosa o tema por vezes remete à mitologia e à Literatura grega, como no caso de A hora e a vez de Augusto Matraga, que se refere em especial à Odisseia, de Homero, Canto X. O assunto é igual e inegavelmente percebido em outras das publicações do mineiro, como em A terceira margem do rio, estória que consta entre aquelas que compõem o volume Primeiras estórias. A despeito do exemplo literário primeiramente mencionado, entendemos que a questão tenha cunho filosófico especialmente por se mostrar como insolúvel, como algo que assola toda e qualquer mente humana, mais ou menos hora. Ademais, a forma pela qual o próprio Rosa trata-a confirma nossa aposta: “[...] o que me interessa, na ficção, primeiro que tudo, é o problema do destino, sorte e azar, vida e morte”. Sendo assim, Rosa manifesta seu interesse por questões universais, aproximando-se do trato propriamente filosófico dispensado a tais inquietações, ainda que se referindo à ficção. Apesar de não se apresentar exata e explicitamente como uma forma de filosofar, a poética do escritor também pode ser tomada como tal ao fazer elaborações a respeito das emoções, em particular do amor. Este tema é frequente na escrita de Rosa, assim como salienta Benedito Nunes  ao analisar Grande sertão: veredas no primeiro capítulo de seu livro A Rosa o que é de Rosa.

Assim como outros tantos estudiosos, percebemos que o tema que movimenta as mais variadas formulações de teóricos da Filosofia aparece em vários dos escritos de Rosa. Este expõe o amor de forma variegada e inquietante, apontado novamente para o aspecto aberto da discussão quando se trata de tentar definir a emoção em questão. Os amores de Riobaldo por Diadorim, por Otacília e por Nhorinhá, bem como aqueles amores sentidos por Primo Ribeiro e Primo Argemiro por Luísa em Sarapalha são exemplares de como o amor é algo multifacetado e por isso desperta a curiosidade humana, levando a tecer páginas e páginas argumentativas ou poéticas no intuito de entender ou ao menos de se manifestar sobre o assunto que se mostra como problemático.

Para finalizar esta curta reflexão, retomemos a vida e a morte como constituintes de um problema universal, como algo que assola os homens em todas as épocas e lugares. Acreditamos que em Rosa elas apareçam tanto literária quanto filosoficamente desenhadas. Isso porque, retornando ao aspecto conceitual com o qual alguns distinguem a Filosofia, encontramos aí mais um motivo para afirmarmos que há filosofia em Rosa. A fim de defender tais afirmações, findamos esta breve consideração com as mais que famosas linhas de Grande sertão: veredas, quando, a nosso ver, o escritor aborda a vida de modo quase conceitual. Ela é apontada como aflitiva e preciosa, desassossegada e com laivos de calmaria. É plena em conflitos que sinalizam a riqueza e as possibilidades da existência humana, mas isto exige um posicionamento firme e corajoso frente a todas as suas intempéries. É assim que Rosa traz para nós a fórmula quase aforística pela qual entendemos que conceitua a vida: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem” . Pensamos que seria difícil a qualquer forma de filosofar elaborar uma concepção mais complexa, completa e eficaz sobre o tema, sinalizando a validade da nossa proposta de uma filosofia contida na obra de João Guimarães Rosa. Sendo assim, como resposta para a pergunta que colocamos no início desta discussão, entendemos que, no caso da obra de Rosa, Literatura e Filosofia se amalgamam de forma singular, sendo indiscerníveis. Não há como definirmos onde começa a Filosofia e termina a Literatura de João Guimarães Rosa. O que podemos é apenas afirmar que ambas estão presentes ali, perfeitamente associadas.  

sábado, 12 de outubro de 2024

A hipertrofia do legislativo. José Mauricio de Carvalho

 




A hipertrofia do legislativo

José Mauricio de Carvalho

O noticiário nacional vem, há alguns meses, comentando um certo mal-estar dos políticos (leia-se deputados e senadores) com os juízes, em especial com o STF. Como entender um embate inadequado e inconstitucional quando temos em vista que a Constituição Brasileira, em seu artigo , estabelece que o Poder do Estado Brasileiro é exercido por três poderes, que, embora independentes, devem atuar harmônicos entre si. A Carta Constitucional diz que são três poderes da União: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Claro que os avanços do legislativo sobre os atributos do judiciário são contrários à Tripartição dos Poderes consagrada expressamente pela Constituição atual. A Constituição Nacional, para assegurar os fundamentos da democracia, estabeleceu como cláusula pétrea, em seu artigo 60, § 4º, III, que: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] a separação de poderes” (BRASIL, 1988).

Durante a história recente não foi raro os inimigos da democracia recusarem a tripartição de poderes e já assistimos ditadores fecharem os parlamentos e controlarem os juízes. Isso voltou a moda, como dito em O enigma do inconsciente e a força da subjetividade. Porto Alegre: MKS, 2022, p. 24), quando: “nas primeiras décadas do século XXI, devido à instabilidade, a insegurança, a imprevisibilidade, o medo alimentaram o reaparecimento de governos da extrema-direita.” Vimos despontar comportamentos que marcaram os primeiros anos do século passado. Um exemplo clássico do que tivemos, no século XX, foi a forma de atuação de Adolf Hitler. Ele controlou os outros dois poderes para praticar o que vou denominar de antirrazão, anticiência e outras barbáries. E para que ele quis controlar os outros poderes? Para fazer o que não seria possível noutra condição, como a tese da superioridade da raça ariana. De nada adiantou os cientistas alertarem para o erro, os protestos da sociedade organizada, o ditador afastou os que não concordavam com suas ideias e colocou na universidade quem admitia essa tese. E fez coisas pior. Apesar dos protestos, sempre há alguém que obedeça ao ditador para gozar dos benefícios do poder. Isso vimos recentemente médicos defenderem o uso da cloroquina para trata a COVID 19, quando todos os institutos de pesquisa sérios diziam o contrário.

E qual o pano de fundo dessa atual disputa? O estudos de Zygmunt Bauman ajudam a compreender as crises econômicas recentes com repercussão na organização dos Estados. A questão ganhou forma nessa sociedade que foi descrita por diversos autores, como, alegoricamente, 'leve', 'líquida' e 'fluida'. O que isso significa? Que a sociedade atual se ajustou ao processo de globalização da economia sem manter aspectos, práticas e valores reconhecidos pelo Estado de Direito. Não restaram estruturas ou fatores estruturantes, disse Bauman, a sociedade funciona como um líquido que assume a forma do recipiente. O diálogo com o passado ficou fraco, especialmente com os valores porque a vida que se tinha não cabe dentro dos novos desafios da economia globalizada, Estado fraco e reduzido à delegacia de polícia.

Tendo esse pano de fundo, diversos governantes pelo mundo procuraram intimidar o poder judiciário, para atuar sem os limites da lei. No entanto, não é comum que o Parlamento dos países queiram agir dessa forma. No caso em pauta, os políticos querem limitar o poder dos juízes e limitar a atuação do STF para poderem utilizar, sem transparência ou controle, aquilo que ficou conhecido como orçamento secreto. A prática, limitada pelo judiciário, deveria ser banida da vida pública. O orçamento é uma peça pública a ser executada nos limites da lei e não há justificativa para ter parte secreta. 

Nossa sociedade que tanto lutou pela democracia e que vê superar problemas contínuos na sua concretização, espera que mais essa dificuldade seja deixada para traz. A democracia tem por base a tripartição dos poderes e a vida republicana pede a publicidade dos atos dos governantes. Exceto para alguns pouquíssimos relativos à segurança do Estado, entre os quais não está o orçamento secreto.




sábado, 28 de setembro de 2024

MAINE DE BIRAN E O BRASIL. Selvino Antonio Malfatti

 



Celebrou-se em agosto o bicentenário da morte de Maine de Biran. Filho de franceses pertenceu à guarda de Luís XVI. No período do Terror da Revolução Francesa de 1789 conseguiu escapar escondendo-se numa propriedade fora de Paris. Foi membro do Conselho dos Quinhentos. No período de Napoleão pertenceu ao legislativo e oposição do Imperador. Foi deputado e conselheiro de Estado.

Teve decisiva influência na concepção filosófica da primeira Constituição brasileira de 1824, através de seu inspirador Silvestre Pinheiro Ferreira, dos Pais da Independência, de Gonçalves de Magalhães e Visconde do Uruguai. A filosofia de Maine de Biran ficou conhecida no Brasil como Ecletismo, pois tenta assimilar as  diversas correntes filosóficas aparentemente conflitantes   Os postulados básicos eram: 1º Conciliar o tradicionalismo com a modernidade. No caso brasileiro, em política, foi dotar a monarquia constitucional e sistema representativo, substituindo o absolutismo.

 Conjugar o patrimonialismo com economia de mercado. 3º Manter a unidade nacional e descentralização. 4º Em Filosofia, sintetizar escolástica com iluminismo, a Fé católica e liberdade religiosa. Para chegar a tal propósito propõe o intuicionismo.

Através de reflexões, cerne de sua atividade filosófica, concretizada no Diário, pensa que a consciência somente se chega no confronto com o objeto. Ela resiste ao mundo externo e disso resulta a consciência do “eu”. Desse confronto cm a realidade externa nasce a impressão passiva e da atividade interna nasce a impressão ativa.

O intuicionismo foi aproveitado na política - o sistema representativo - na religião - a liberdade religiosa - na economia- liberdade econômica.

O Diário discorre sobre as experiências afetivas como o sono no qual o eu está “fora de si” e acontece a suspensão da vontade e da razão, o qual denomina o eclipse do eu. Há uma experiência espiritual na qual o corpo é colocado entre parêntese deixando liberdade para o espírito agir sem interferências materiais. É um espírito liberto da matéria agindo livremente como espírito.

Invocação ao Anjo da Poesia

Como surdo até hoje

fui eu a tão angélica harmonia?

Porventura minha alma muda esteve?

Ou foram porventura meus ouvidos

   até hoje rebeldes?

Perdoa-me, oh meu Deus, eu não sabia!

Eram Anjos do céu que me inspiravam,

e outras vozes meus lábios modulavam.
-Gonçalves de Magalhães-

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

As modernas velhas mexeriqueiras . José Mauricio de Carvalho



Quem viveu a infância em cidades pequenas como eu, aprendeu desde cedo a fugir das velhas mexeriqueiras. Quem eram elas? Velhinhas doces, aparentemente inofensivas, mas que, por algum recalque, trocavam a reza do terço por bisbilhotar a vida alheia. E então, sempre atentas ao que se passava à volta, adoravam espalhar intriga pela vizinhança. Essas velhinhas mexeriqueiras tinham pelo menos a favor delas que aquilo que espalhavam compensava alguma frustração pessoal, mas nada além disso. Não se pode dizer que tivessem paixão pela mentira ou que a usavam para o próprio benefício. Eram apenas recalcadas. Velhinhas mal amadas. Elas não viveram um grande amor, então criticavam a linda vizinha que engravidara fora do casamento, não viveram belas histórias, então criticavam os jovens aventureiros que se lançavam à vida com fôlego e paixão. Eram reprimidas em seus desejos, amarguradas, à espera de alguém que lhes desse atenção e carinho. Ordinariamente se curavam da má tendência com o carinho de alguém ou por conselho do padre. Sim, tinham o padre em alta conta e sabiam que o cristianismo não era instrumento para enriquecimento, nem para maltratar ninguém. O cristianismo era para acolher e salvar as pessoas. Cristo foi o maior bote salva vidas da História.

As velhinhas mexeriqueiras condenavam o homossexualismo porque tinham em si mesmas aqueles desejos que condenavam e criticavam quem se entregava àquele prazer proibido. Elas gostariam muito de o terem experimentado, mas não tiveram coragem. Foram meninas sonhadoras, foram jovens amantes desiludidas, acabaram solitárias. Aquelas velhinhas mexeriqueiras traziam dor e tristeza para os jovens, mas o mal que causavam não era maior do que aquele que elas próprias tinham na sua alma.

Aquelas velhinhas mexeriqueiras não tiveram grande formação intelectual. Nas pequenas cidades o estudo era oferecido com carinho, mas não era primoroso e era curto. Contava com dedicadas professorinhas que se entregavam de forma apaixonada ao ofício de educar as crianças. Elas cuidavam dos pequenos e pequenas que eram filhas e filhos de antigos companheiros de brincadeira e se sentiam elas próprias tias das crianças. Viviam uma fraternidade espiritual com os amigos da infância que eram os pais e mães daqueles miúdos. Porém, embora tão dedicadas ao ensino da tabuada e das primeiras letras pouco mais iam além daí. O ensino acabava no primário, no máximo no ginásio. E assim envelheceram com pouco estudo e pouco amor.

Essas velhinhas penduradas nas janelas, nunca ouviram falar dos antigos gregos. Jamais leram Hesíodo, Cícero, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Nem nenhum dos nomes de destaque dos vários setores do conhecimento humano em todos os tempos. Nem fizeram curso para entender os movimentos na natureza, tese de Heráclito (540-480 a. C.), nem do movimento como aparência do mundo, hipótese de Parmênides (540-450 a. C.). Também nada sabiam de Sócrates (470-399 a. C.) que não se afastou da verdade.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

ALCIDE DE GASPERI -PAI DA EUROPA. SELVINO ANTONIO MALFATTI

 

                                                              ALCIDE DE GASPERI



Natural da província de Trento, Itália, foi o mais importante político da Itália do pós-guerra. No contexto europeu os “Pais da Europa” são Alcide de Gasperi, Konrad Adenauer, Robert Schuman e Jean Monnet.

De Gasperi sempre esteve ligado à Igreja Católica. Inimigo do regime fascista foi preso e condenado. Mas graças à intervenção do Papa Pio XI foi libertado. Para enfrentar o fascismo fundou o Partido da Democracia Cristã. Este partido se disseminou para a maioria dos países europeus e conduziu os destinos da Europa por meio século.

O período “degasperiano”, desde a fundação da Democracia Cristã até 1953, é um período particularmente desafiador para a Democracia Cristã . Primeiramente é um partido novo, com alguns participantes com experiência no extinto Partido Popular como Alcide De Gasperi e Luigi Sturzo. Em segundo lugar, não foi um partido que emergiu da sociedade italiana, mas em boa parte criado artificialmente em laboratório, mormente no Vaticano. Guindado ao governo deveria dar conta de algumas tarefas nada fáceis para um pós-guerra, no qual a Itália não somente foi perdedora, como ficou falida economicamente. Mas, a maior de todas as missões era de conter fascismo de direita, e o comunismo de esquerda, o segundo partido mais forte da Itália. Neste preciso período, a Democracia Cristã será atacada pelos amigos e inimigos, pelos seus apoiadores e opositores, precisamente quando estava se organizando.

Neste primeiro período predomina a figura carismática De Gasperi. É considerado como uma autêntica liderança: forte, decidido, de marcante influência pessoal. Faz-se sentir no enfrentamento dos problemas cruciais e na organização do novo partido. Sob sua inspiração a Democracia Cristã amadureceu, ou feita amadurecer, num ambiente eclesiástico e no laicato católico. Foi criada com o objetivo de contrapor-se às forças laicizantes e comunistas, para tutelar, defender e promover os interesses da Igreja e dos católicos na fase de reconstrução, reduzindo ao mínimo os inconvenientes decorrentes dos compromissos da Igreja com o Fascismo. Mas na prática significou muito mais que isto, como por exemplo, a incorporação dos eleitores católicos num regime democrático.

Nesta fase tornava-se crucial conseguir os máximos de recursos organizativos com o fito de conter a esquerda, máxime os comunistas. Passados os primeiros momentos, o partido deu  mostras de  estar atingindo os objetivos. Para o momento subsequente, era preciso continuar contar com o apoio da organização católica e por outro, defender a democracia republicana. O primeiro era tanto mais importante, pois em alguns setores da Igreja se pensava em criar outro partido. Isto se tornava crucial para o partido da Democracia Cristã. O apoio eleitoral da Democracia Cristã, neste período estava dependente do empenho do catolicismo da Democracia Cristã. Por isso, o partido não poderia perder nenhum apoio. O preço de optar pelo “partido dos católicos”, neste momento, talvez tenha sido inevitável para a Democracia Cristã radicar-se na sociedade italiana, e desempenhar o papel que lhe foi cometido. Isto não significa que não tenham advindo consequências negativas. Uma delas é o fato de que o partido conseguia mover-se com dificuldade pois sentia o peso da mediação católica, mormente da alta hierarquia, quando não do vértice do Vaticano. Mas há também as positivas, sendo que se pode apontar como uma das mais importantes é que a Democracia Cristã evitou que alguns setores eclesiásticos enveredassem para experiências do tipo salazarista, mantendo o mundo católico dentro dos limites democráticos. Nesse sentido, parece que a balança pende positivamente, pois, perante tantas dúvidas, mesmo da parte da hierarquia eclesiástica, a liderança degasperiana garantiu para a Itália a opção democrática.

Em consequência disso, o partido da Democracia Cristã tem como primeiro desafio de sua organização a assimilação dos dirigentes da ação católica nos seus quadros. Nesse sentido inicia um intenso trabalho de recrutamento de filiados para poder preencher os cargos em nível local e nacional. Nesse momento inicia o processo de desvencilhamento da tutela eclesiástica, pois precisa expandir-se além do seu raio de ação. É consenso se afirmar que o sucesso do primeiro período da Democracia Cristã se deveu á organização da ação católica atraída para o partido. Mas a Democracia Cristã não para aí, passando a partir de então a andar com autonomia, aceitando criticamente o apoio dos meios católicos. Isto por que De Gasperi, tinha consciência que um partido de uma religião, seria um contra senso. Poderíamos nos perguntar: como foi possível que de uma doutrina religiosa adviesse uma proposta política que conseguiu sublimar a opinião pública e imantou os interesses nacionais? Ocorreu aquilo que John Rawls denominou de “concepção política de bem”. Conforme o autor, uma concepção de bem em política é diferente de uma concepção religiosa ou filosófica. Esta última é abrangente, isto é, absoluta. A política é específica, isto é, é para aquele objeto concreto, de modo que, ao aceitar uma determinada ideia de bem em política não é necessário aceitar esta ou aquela religião. Com isso ela se torna razoável e não matéria de fé ou sentimento. É isto precisamente o que caracteriza um regime democrático. Caso fosse a concepção de bem absoluta, certamente cairíamos no totalitarismo, fundamentalismo ou outro regime, mas nunca o democrático. Uma proposta de bem político democrático pode ser aceito por toda sociedade, composta de cidadãos livres e iguais, pois que não pressupõe uma doutrina abrangente.

Com efeito, foi o que ocorreu com a Democracia Cristã a partir da concepção da lavra de De Gasperi. Ele, paulatinamente, passou a atuar politicamente de forma autônoma em relação à hierarquia eclesiástica. Estabeleceram-se metas e programas fora do manto da Igreja. Eram metas de uma sociedade civil, como a inserção da Itália na comunidade europeia, ou a industrialização. De Gasperi quando organizava a economia no sentido de o Estado fazer o papel de regulador criando uma estrutura para o processo econômico capitalista, fazendo conviver prosperidade e liberdade,  não tinha em mente uma determinada religião, mas um interesse que atingia a comunidade civil. Nisso, parece, que consistiu a possibilidade de êxito da Democracia Cristã na Itália e nos demais países europeus que a adotaram, como foi o caso da Alemanha e outros países.


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